A primeira fase do Modernismo brasileiro

Arte feita sobre o quadro “Abaporu”, da artista plástica Tarsila do Amaral, um dos principais nomes da primeira fase do Modernismo brasileiro.

Semana de Arte Moderna
Arte feita sobre o quadro “Abaporu”, da artista plástica Tarsila do Amaral, um dos principais nomes da primeira fase do Modernismo brasileiro.

Erro de português

Quando o português chegou
Debaixo de uma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena!
Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido
O português.

(Oswald de Andrade)

O poeminha que você leu agora é de autoria de Oswald de Andrade, um dos escritores mais irreverentes e autênticos da literatura brasileira. Nome forte da primeira fase do Modernismo no Brasil, Oswald, ao lado de Mário de Andrade e Manuel Bandeira, formou a célebre “tríade modernista”, epíteto que nomeava os três principais escritores responsáveis pela divulgação e consolidação da principal corrente de vanguarda de nossas letras. Em “Erro de português” encontramos os principais elementos que consagraram o novo jeito de fazer literatura em nosso país.

Antes do Modernismo, era o Parnasianismo quem dava as cartas quando o assunto era literatura. Escola literária que pregava a “arte pela arte”, o Parnasianismo estava de acordo com os cânones literários vigentes, com sua poesia permeada por elementos que remetiam à literatura clássica europeia (especialmente aos elementos da cultura greco-romana) e linguagem rebuscada que tanto agradavam a elite brasileira do final do século XIX. Seu principal representante foi o poeta Olavo Bilac, cuja popularidade rendeu-lhe a alcunha de “Príncipe dos poetas brasileiros”.

Mal sabiam os parnasianos, entre eles os poetas Raimundo Correia, Francisca Julia, Alberto de Oliveira e Vicente de Carvalho, que a hegemonia da poesia metalinguística e hermética estava com os dias contados: o Modernismo já começava a manifestar-se, e seria revelado para todo o país com a realização da Semana de Arte Moderna de 1922.

A Semana de Arte Moderna foi realizada no Teatro Municipal de São Paulo entre os dias 13 e 18 de fevereiro de 1922. O evento, que posteriormente ganharia relevância histórica, tinha como objetivo difundir os ideais modernistas no Brasil. Foi importante não somente para a literatura, mas para as artes em geral. Revelou nomes como Anita Malfatti, Tarsila do Amaral, Patrícia Galvão, Mário e Oswald de Andrade entre outros.

A Semana foi o ponto de encontro das várias tendências artísticas que desde a I Guerra vinham tentando firmar-se em São Paulo e no Rio de Janeiro. Graças a esse encontro, o modernismo brasileiro ganhou uma plataforma que possibilitaria sua consolidação. Após a realização da Semana de Arte Moderna, várias publicações – as chamadas revistas literárias – e manifestos foram lançados, cujos objetivos eram divulgar as propostas modernistas.

É importante observar que, antes mesmo da realização da Semana de Arte Moderna de 1922 a literatura brasileira, sobretudo aquela realizada por escritores como Lima Barreto, Euclides da Cunha e Monteiro Lobato, os chamados pré-modernistas, já começa a dar os primeiros sinais de ruptura com a literatura produzida pelos escritores românticos e parnasianos.

Na linguagem da literatura pré-modernista já é possível identificar um menor apego ao cânone literário, além de uma maior preocupação com o desenvolvimento de uma literatura socialmente engajada. A partir desse momento a literatura brasileira tomaria novos rumos, deixando para trás uma literatura presa aos moldes da literatura europeia. Era preciso inventar um novo jeito de escrever, a fim de que o Brasil e os brasileiros pudessem ser retratados de maneira fidedigna.

A primeira fase do Modernismo brasileiro sacramentou as renovações no campo da arte e da literatura iniciadas no início do século XX com os pré-modernistas. Até então não havia uma cultura acadêmica nacional, com linguagem e conteúdo temático que reproduzissem a realidade do brasileiro comum. Podemos dizer que os primeiros modernistas deram o “grito de independência” cultural que ecoaria por décadas, modificando drasticamente o fazer literário no Brasil. Depois deles, a forma e o ritmo, elementos tão apreciados pela literatura clássica, não seriam mais uma obrigação: estava instituído o verso livre e o combate à arte tradicional:

Canto de regresso à pátria

Minha terra tem palmares
Onde gorjeia o mar
Os passarinhos daqui
Não cantam como os de lá
Minha terra tem mais rosas
E quase que mais amores
Minha terra tem mais ouro
Minha terra tem mais terra
Ouro terra amor e rosas
Eu quero tudo de lá
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte para lá
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte pra São Paulo
Sem que veja a Rua 15
E o progresso de São Paulo.

Oswald de Andrade

Podemos afirmar que o principal compromisso dos primeiros modernistas de nossa literatura era com a construção de uma literatura genuinamente brasileira, uma literatura que falasse de seu povo e para seu povo, utilizando uma linguagem acessível, livre dos rebuscamentos e arcaísmos próprios do estilo parnasiano. Nessa nova literatura, temas do cotidiano ganhariam destaque, bem como o nacionalismo, sempre abordados por meio de uma linguagem permeada pelo humor e pela ironia.

Quando entramos em contato com essa literatura que hoje, prestes a completar um século ainda apresenta frescor e jovialidade, temos uma leve ideia do impacto por ela provocado em uma época em que nossas letras ainda estavam influenciadas sobremaneira pelos cânones literários europeus.

A primeira fase do Modernismo brasileiro, que também ficou conhecida como “Fase heroica”, teve seu marco cronológico no ano de 1930, quando surgiram escritores que, embora influenciados pelas mudanças estéticas propostas pela primeira geração, apresentavam novas preocupações no que dizia respeito à literatura.

Entre esses escritores, nomes como Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Cecília Meireles, Jorge de Lima, Murilo Mendes, Vinícius de Moraes e muitos outros que destacaram-se não apenas na poesia, mas também na prosa.

Esses escritores iniciaram uma poética com novos elementos estéticos, mas fortemente influenciada pela primeira geração.  É indiscutível a importância de nomes como Manuel Bandeira, Oswald de Mário de Andrade, responsáveis por apontar novos caminhos para a construção de uma literatura menos europeizada e mais próxima da realidade brasileira. Seus esforços foram fundamentais para o nascimento de uma autêntica literatura brasileira¸ que ainda hoje reflete as profundas mudanças propostas na segunda década do século XX.

Luana Alves
Graduada em Letras

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