A era da Guerra Total
Para pensarmos a violência no mundo de hoje, precisamos entender o contexto histórico das duas Guerras Mundiais que ocorreram na primeira metade do século XX.
Através da análise do historiador Eric Hobsbawn, autor do livro Era dos Extremos – o breve século XX (1914 – 1991), compreenderemos melhor a ideia de “Guerra Total”.
Hobsbawn analisa o período de catástrofes evidenciados por duas grandes guerras “mundias” ou “totais” tendo em vista um processo de continuidade entre as duas guerras, consumidoras de mais de trinta anos na Europa, anos em que se esfacelaram o otimismo e o humanismo presentes no período da “Belle Époque”, início do século XX.
A Primeira Guerra Mundial iniciada em 1914, não contava ainda com o caráter ideológico existente nos países beligerantes da Segunda Guerra. Esta guerra caracterizou-se pela busca de hegemonia econômica e marítima por parte dos alemães, que não aceitavam a supremacia britânica no mundo.
Esse caráter político, distinto nas duas guerras, é o mais aparente quando buscamos definir as rupturas em meio aos trinta anos de contínua destruição humana. O que podemos perceber neste novo modelo de guerra, que é o modelo da “Guerra Total”, é que antes de 1914 nenhuma potência beligerante havia combatido fora de suas fronteiras, a não ser em caso de conflitos em colônias onde a disputa se dava de forma unilateral.
A “Guerra Total” exigia também a rendição total e incondicional do inimigo, que ficaria sujeito à política dos vencedores no pós-Guerra. Hobsbawn vê no Tratado de Versalhes (1919) o grande mal causador do surgimento do totalitarismo como política salvadora dos países europeus, como Alemanha e Itália.
A partir da derrota da Alemanha na Primeira Guerra, o que se buscou, por parte dos países vencedores (principalmente França e Inglaterra), foi enfraquecer os germânicos com a chamada “paz punitiva”; limitaram o número de soldados no exército alemão para 100 mil, restringiram o controle da força aérea e da marinha alemã, além de redistribuir as fronteiras europeias deixadas pelos póstumos impérios Habsburgo e austríaco de forma a não favorecer a Alemanha em nenhum aspecto.
No sufocamento da economia alemã está o caráter propulsor da Segunda Guerra Mundial, aliado à crise do capitalismo na década de 20, a única esperança desses países castrados pela Primeira Guerra foi a política totalitária, que marcou as décadas de 30 e 40 na Europa e no mundo.
Quando as alianças começaram a se formar e a guerra a amadurecer, percebemos que não só a Alemanha se encontrava insatisfeita, mas Itália e Japão. Este último, submetido a um regime ditatorial que buscava uma maior participação, ou melhor, buscava uma hegemonia sobre as áreas do Extremo Oriente.
Os trinta anos que correspondem à “Era da Guerra Total” marcam rupturas não só políticas, mas também econômicas. A Segunda Guerra Mundial exigiu esforços gigantescos dos países beligerantes para se obter um controle perfeito de produção.
A movimentação bélica não se deu apenas no caráter de criação de novas armas com maior capacidade de destruição, mas também nos cálculos e controles burocráticos de produção. Para termos uma ideia, Hobsbawn afirma que em 1942 a Alemanha encomendou aproximadamente 1 milhão de carimbos.
Enquanto no primeiro processo de Guerra Total os homens que se matavam ainda podiam se olhar de frente e contemplar de forma pessoal os horrores que produziam, na Segunda Guerra observamos um caráter de impessoalidade produzido pelos avanços tecnológicos e que transformariam homens, mulheres, crianças e cidades em simples alvos a serem pulverizados.
O que marca este período vai muito além desta escatologia numérica da produção. O impacto humano presente nestes trinta anos de catástrofes mostram claramente o processo de choque causado pela Primeira Guerra e a consequente desumanização e frieza gerada nos horrores da Segunda Guerra.
Carlos Beto Abdalla
Historiador e Mestre em Estudos Literários
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