A variação linguística é um fenômeno que acontece com a língua e pode ser compreendida através das variações históricas e regionais. Em um mesmo país, com um único idioma oficial, a língua pode sofrer diversas alterações feitas por seus falantes.
Variedades linguísticas x Preconceito linguístico: Dois conceitos importantes para a Sociolinguística, ramo da Linguística que estuda a importância dos dialetos e registros e suas contribuições para a formação da identidade cultural de um povo.
Mas não pense você que a polêmica fica restrita ao universo acadêmico, pois esse é um assunto muito comum em nosso dia a dia. Quem nunca ouviu falar, por exemplo, que determinada região do país fala um português “mais correto” do que outra?
É preciso combater esses mitos linguísticos, que propagam a ideia do preconceito linguístico e apenas reforçam a ideia de que a linguagem é um instrumento de poder simbólico. A linguagem é um instrumento da comunicação, e deve ser utilizada de maneira democrática.
Um país com dimensões continentais como o Brasil jamais apresentaria uma uniformidade na modalidade oral. Isso pode ser comprovado através da análise dos diferentes sotaques e dialetos que são encontrados nas cinco regiões do país.
Cada grupo social utiliza um vocabulário específico, que evidencia suas idiossincrasias e revela um pouco de sua cultura e história. Muitas pessoas, infelizmente, desconhecem a importância das variações linguísticas e, equivocadamente, dividem os falantes da língua portuguesa em dois grupos: aqueles que falam bem o português e aqueles que falam mal. Estamos falando sobre, especificamente, a modalidade oral, que admite os vários registros da língua.
Na modalidade escrita é importante preservarmos a língua prescrita pelas gramáticas, caso contrário nossa língua portuguesa ficaria vulnerável. Já imaginou se cada um de nós inventasse regras, subvertendo as regras gramaticais já consolidadas? A modalidade escrita seria transformada em uma terra de ninguém, e sabemos que nosso código deve ser preservado, sob pena de vivermos uma “torre de Babel” moderna.
Dessa divisão simplista – aqueles que falam o “português correto” e aqueles que falam o “português incorreto” – surge o preconceito linguístico. Conforme definição do dicionário Houaiss, preconceito linguístico “é qualquer crença sem fundamento científico acerca das línguas e de seus usuários como, por exemplo, a crença de que existem línguas desenvolvidas e línguas primitivas, ou de que só a língua das classes cultas possui gramática, ou de que os povos indígenas da África e da América não possuem línguas, apenas dialetos”.
Quando apontamos os “erros” de português de outros falantes, sobretudo daqueles inferiorizados por algum motivo ou fato histórico, estamos fazendo da língua um instrumento de discriminação social, privilégio daqueles que conhecem a variedade padrão e que, portanto, sabem fazer o uso “correto” das regras gramaticais.
A gíria é a cultura do povo
(Elias Alves Junior e Wagner Chapel)
Toda hora tem gíria no asfalto e no morro
porque ela é a cultura do povo
Pisou na bola conversa fiada malandragem
Mala sem alça é o rodo, tá de sacanagem
Tá trincado é aquilo, se toca vacilão
Tá de bom tamanho, otário fanfarrão
Tremeu na base, coisa ruim não é mole não
Tá boiando de marola, é o terror alemão
Responsa catuca é o bonde, é cerol
Tô na bola corujão vão fechar seu paletó
“Toda hora tem gíria…
Se liga no papo, maluco, é o terror
Bota fé compadre, tá limpo, demorou
Sai voado, sente firmeza, tá tranquilo
Parei contigo, contexto, baranga, é aquilo
Tá ligado na fita, tá sarado
Deu bode, deu mole qualé, vacilou
Tô na área, tá de bob, tá bolado
Babou a parada, mulher de tromba, sujou
“Toda hora tem gíria…
Sangue bom tem conceito, malandro e o cara aí
Vê me erra boiola, boca de sirí
Pagou mico, fala sério, tô te filmando
É ruim hem! O bicho tá pegando
Não tem caô, papo reto, tá pegado
Tá no rango mané, tá lombrado
Caloteiro, carne de pescoço, paga pau
Tô legal de você sete-um, gbo, cara de pau.
Intérprete: Bezerra da Silva
Embora existam várias maneiras de falar e escrever uma língua, ainda avaliamos a linguagem segundo os critérios de certo e errado, desconsiderando que uma língua é formada por um conjunto de variedades, e não apenas uma delas. Essa visão errônea leva a crer que somente a variedade padrão é aceitável, quando, na verdade, os diferentes registros devem estar condicionados a situações específicas de uso.
Ninguém vai a uma entrevista de emprego para mostrar seu domínio sobre gírias e dialetos, assim como ninguém, em uma situação informal com os amigos, fala como quem estivesse apresentando um trabalho importante da faculdade. É preciso ser poliglota na própria língua e entender que as normas não cultas não devem ser objetos de preconceito, mas sim respeitadas como elementos importantes da comunicação.
A língua é um elemento dinâmico, mutável e pertence àqueles que a utilizam no dia a dia nos diversos contextos comunicacionais, ou seja, nós, os falantes. Isso não quer dizer que a norma culta deve ser eliminada, mas sim que devemos ter bom senso de adequar nosso discurso às diversas situações de uso.
Existem fatores históricos, culturais e sociais que explicam as variedades linguísticas, portanto, o preconceito linguístico, que apenas serve para oprimir falantes que tiveram menos acesso aos saberes disseminados nas escolas e academias, deve ser questionado e combatido.
Luana Alves
Graduada em Letras
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