Carolina Maria de Jesus

A mineira Carolina Maria de Jesus é uma das primeira escritoras negras do Brasil. As suas narrativas versam sobra a vida difícil na favela do Canindé.

Carolina Maria de Jesus foi uma das primeiras escritoras negras do Brasil, além de ser considerada um dos grandes nomes da literatura nacional.

Em suas obras, a poetisa narra o cotidiano. Em síntese, são histórias de luta, superação e sofrimento da mulher negra e moradora da comunidade (favela), no século XX.

Além de instrumento de denúncia das mazelas sociais, as suas milhares de páginas manuscritas (romances, poemas, contos, crônicas, peças de teatro, canções) colidem com as regras da tradição literária e a norma padrão da língua.

Isso porque a autora foi publicada em mais de 40 países e traduzidas para diversas línguas.

Biografia

Carolina Maria de Jesus nasceu em Sacramento, Minas Gerais, no dia 14 de março de 1914.

Filha de uma lavadeira analfabeta e neta de escravos, a garota foi criada junto com sete irmãos por uma família muito humilde.

Para estudar, ela recebeu ajuda de uma freguesa de sua mãe – Maria Leite Monteiro de Barros. Com sete anos passou a frequentar o colégio Allan Kardec, a primeira escola espírita do Brasil, onde estudou por dois anos.

Contudo, ainda que tendo frequentado pouco tempo a escola, desde criança demonstrava o gosto pela leitura e a curiosidade pelo mundo.

Logo em seguida, em 1924, em busca de melhores oportunidades, a sua família mudou-se para Lageado, indo trabalhar como lavradores em uma fazenda.

Contudo, em 1927, voltam para Sacramento.

Vida em São Paulo

Na década de 1930, mais uma vez a família está de mudança, agora para Franca (SP). Na cidade, Carolina trabalha como lavradora e empregada doméstica.

Aos 23 anos de idade, a sua mãe falece e Carolina segue com destino a capital, a procura de uma vida melhor. Em São Paulo, é contratada como faxineira da Santa Casa de Franca, e depois empregada doméstica.

Em 1948, desempregada e grávida, mudou-se para a comunidade (favela) do Canindé.

Lá foi onde teve e criou seus três filhos (João José de Jesus, José Carlos de Jesus e Vera Eunice de Jesus Lima), todos de relacionamentos distintos.

Na favela do Canindé

carolina maria de jesus

Carolina trabalhava durante a noite como catadora de papel, mas durante o dia escrevia e lia as revistas que encontrava na rua.

Com o sonho de se tornar uma escritora, em 1941 foi a redação do jornal Folha da Manhã com um poema escrito em homenagem a Getúlio Vargas. Logo depois disso, o seu texto e foto foram publicados no jornal.

Persistente, continuou enviando os seus poemas para a redação, recebendo o apelido de “A poetisa negra“.

Em 1958, o jornal Folha da Noite envia o repórter Audálio Dantas para escrever uma reportagem sobre a favela do Canindé.

Na ocasião, Carolina Maria de Jesus tem sua casa visitada. Ela lhe apresenta o seu diário, que surpreende o repórter com a história.

No mesmo ano, Audálio publicou trechos do texto de Carolina, tendo como consequência inúmeros elogios.

trecho jornal Audálio

Um ano depois, a revista O Cruzeiro publica também alguns trechos do diário.

E em 1960 é oficialmente divulgado o primeiro livro de Carolina, Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada, com edição de Audálio Dantas.

Sucesso e morte de Carolina

Como resultado de seu sucesso, a escritora conseguiu comprar uma casa no Alto de Santana e sair da favela.

Além do sucesso financeiro, obteve reconhecimento, sendo homenageada pela Academia Paulista de Letras e da Academia de Letras da Faculdade de Direito de São Paulo.

Também, em 1961, foi para a Argentina receber o título de “Orden Caballero Del Tornillo”.

Porém, o seu auge não durou muito e logo voltou a condição de catadora de papel.

Quase na década de 1970, em 1969, ela se mudou com os filhos para um sítio em Parelheiros. No período, foi praticamente abandonada pelo mercado editorial.

Em 13 de fevereiro de 1977, no estado de São Paulo, Carolina Maria de Jesus veio a óbito por insuficiência respiratória, com 62 anos de idade (quase 63).

Algumas frases de Carolina de Jesus

Antigamente o que oprimia o homem era a palavra calvário; hoje é salário.

Eu cato papel, mas não gosto. Então eu penso: faz de conta que eu estou sonhando.

Tem pessoas que, aos sábados, vão dançar. Eu não danço. Acho bobagem ficar rodando pra aqui, pra ali. Eu já rodo tanto para arranjar dinheiro para comer.

A tontura da fome é pior do que a do álcool. A tontura do álcool nos impele a cantar. Mas a da fome nos faz tremer. Percebi que é horrível ter só ar dentro do estômago.

As crianças ricas brincam nos jardins com seus brinquedos prediletos. E as crianças pobres acompanham as mães a pedirem esmolas pelas ruas. Que desigualdades trágicas e que brincadeira do destino.

O maior espetáculo do pobre da atualidade é comer.

A democracia está perdendo os seus adeptos. No nosso país, tudo está enfraquecendo. O dinheiro é fraco. A democracia é fraca e os políticos, fraquíssimos. E tudo o que está fraco, morre um dia.

Eu classifico São Paulo assim: O Palácio é a sala de visita. A Prefeitura é a sala de jantar e a cidade é o jardim. E a favela é o quintal onde jogam os lixos.

Alguns poemas de Carolina de Jesus

A vida é igual um livro. Só depois de ter lido é que sabemos o que encerra. E nós quando estamos no fim da vida é que sabemos como a nossa vida decorreu. A minha, até aqui, tem sido preta. Preta é a minha pele. Preto é o lugar onde eu moro.

(Quarto de despejo)

Não digam que fui rebotalho,
que vivi à margem da vida.
Digam que eu procurava trabalho,
mas fui sempre preterida.
Digam ao povo brasileiro
que meu sonho era ser escritora,
mas eu não tinha dinheiro
para pagar uma editora.

(Quarto de despejo)

Muitas fugiam ao me ver
Pensando que eu não percebia
Outras pediam pra ler
Os versos que eu escrevia

Era papel que eu catava
Para custear o meu viver
E no lixo eu encontrava livros para ler
Quantas coisas eu quiz fazer
Fui tolhida pelo preconceito
Se eu extinguir quero renascer
Num país que predomina o preto

Adeus! Adeus, eu vou morrer!
E deixo esses versos ao meu país
Se é que temos o direito de renascer
Quero um lugar, onde o preto é feliz.

(Antologia pessoal)

Obras de Carolina de Jesus

  • Quarto de despejo: diário de uma favelada (1960)
  • Casa de alvenaria: diário de uma ex-favelada (1961)
  • Pedaços da fome (1963)
  • Provérbios (1965)

Publicações póstumas

  • Diário de Bitita (1986)
  • Meu estranho diário (1996)
  • Antologia pessoal (1996)
  • Onde estaes felicidade? (2014)
  • Meu sonho é escrever… contos inéditos e outros escritos (2018)

Outros

  • As crianças da favela. Revista do Magistério. São Paulo, n. 24: 8, p. 18-19, dez. 1960.

  • Onde estais felicidade? In: Jornal Movimento, 21 fev. 1977. (Conto).

  • Diario de viaje: Argentina, Uruguai, Chile. Apêndice a JESUS, Carolina Maria de. Casa de ladrillos. Buenos Aires: Edito­rial Abraxas, 1963, p. 128-191.

  • Minha vida. In: MEIHY, José Carlos S. B; LEVINE, Robert M. Cinderela negra: a saga de Carolina Maria de Jesus. Rio de Janeiro: UFRJ, 1994, p. 172-189.

  • O Sócrates africano. In: MEIHY, José Carlos S. B; LEVINE, Robert M. Cinderela negra: a saga de Carolina Maria de Jesus. Rio de Janeiro: UFRJ, 1994, p.190-196.

Traduções

  • Child of the dark: the diary of Carolina Maria de Jesus (1962)
  • Casa de ladrillos (1963)
  • Journal de Bitita (1982)
  • The unedited diaries of Carolina Maria de Jesus (1999)

Antologia

  • Literatura e afrodescendência no Brasil: antologia crítica (2011)

Quarto de despejo: Diário de uma Favelada

carolina quarto de despejo

Lançado em 1960, Quarto de despejo: Diário de uma favelada é o primeiro livro de Carolina Maria de Jesus.

A narrativa versa sobre a sua vida na comunidade (favela) e de como ela e os filhos sobreviviam à fome.

Até os dias atuais, o relato é condizente às condições de muitas outras mulheres e crianças nas comunidades brasileiras.

A obra virou best-seller com seu recorde de vendas: 30 mil exemplares na primeira edição, e 100 mil nas segunda e terceira edições.

Ademais, Quarto de despejo foi traduzido para 13 idiomas e teve distribuição em mais de 40 países.

Esses números representam o interesse do público pela narrativa da denúncia, em alta nas décadas de 1950 e 1960.

Curiosidades

carolina maria de jesus homenagem google

No dia em que completaria 105 anos, 14 de março de 2019, a escritora Carolina Maria de Jesus foi homenageada pelo Google.

Ao longo do dia, o logo da empresa foi personalizada por uma ilustração que a retrata, um Doodle. Além de sua imagem, o Doodle possuía uma comunidade e um livro, fazendo jus a sua história.

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