A narração

A narração, assim como a dissertação, a descrição, a exposição e a injunção/prescrição é um tipo textual. Ela se ocupa em narrar fatos ordenados cronologicamente ou não, reais ou ficcionais.

Você sabe o que é uma narração? Um dos cinco tipos textuais (dissertação, descrição, exposição, injunção/prescrição) a narração ocupa-se da tarefa de relatar, narrar fatos verídicos ou ficcionais. É o tipo textual no qual muitos gêneros aportam-se, entre eles o romance, a novela, o conto, a crônica, o relato pessoal entre outros que têm como característica discursiva narrar.

A narração é um relato centrado no acontecimento: nele há personagem (ou personagens) atuando um narrador que nos conta a ação. Este é um tipo marcado pela temporalidade, isto é, sua matéria é o fato e a ação que envolve personagens, a progressão temporal é fundamental para seu desenrolar: as ações caminham para um conflito que requer uma solução, o que nos permite concluir que inevitavelmente chegaremos a uma nova situação. Isso posto, a sucessão de acontecimentos leva a uma transformação na narrativa, e a trama desenvolve-se a partir do conflito numa linha de tempo e num determinado espaço.

Narrador, enredo, personagens, ambiente e tempo são os principais elementos da narrativa. Observe agora um exemplo:

O Revólver do Senador

O Senador ainda estava na cama, lendo calmamente os jornais, e eram dez horas da manhã. Súbito ouve a voz do netinho de quatro anos de idade por detrás da folha aberta, bem junto de sua cabeça:

– Vovô, eu vou te matar.

Abaixou o jornal e viu, aterrorizado, que o menino empunhava com as duas mãos o revólver apanhado na gaveta da cabeceira. Sempre tivera a arma ali ao seu alcance, para qualquer eventualidade, carregada e com uma bala na agulha. Nunca essa eventualidade se dera na longa sequência de riscos e tropeços que a política lhe proporcionara. No entanto, ali estava, agora, apanhado de surpresa, sob a mira de um revólver. O menino começou a rir de sua cara de espanto.

– Eu vou te matar – repetiu, dedinho já no gatilho.

O menor gesto precipitado e a arma dispararia.

Pensou em estender o braço e ao menos afastar o cano de sua testa, que já começava a porejar suor. Mas temeu o susto da criança, o dedo se contraindo no gatilho… Tentou falar e de seus lábios saíram apenas sons roufenhos e mal articulados.

– Não me mata não – gaguejou, afinal: – você é tão bonzinho…

– Pum! Pum! – e o demônio do menino sempre a rir, só fez dar um passo para trás; que o colocou fora de seu alcance. Agora estava perdido.

– Cuidado, tem bala…

– deixou escapar, e a voz de novo lhe faltou. Toda uma vida que terminava ali, estupidamente nas mãos de uma criança – de que adiantara? Tudo aflição de espírito e esforço vão. Se alguém entrasse no quarto de repente, a mãe, a avó do menino… Que é isso, menino! Você mata seu avô! Com o susto… Senti o pijama já empapado de suor. Era preciso fazer alguma coisa, terminar logo com aquela agonia. Estendeu mansamente o braço trêmulo:

– Me dá isso aqui…

– Mãos ao alto!

– berrou o menino, ameaçador, dando passo para trás, e as mãos pequeninas se firmaram ainda mais no cabo da arma. O Senador não teve outra coisa a fazer senão obedecer.

E assim se compôs o quadro grotesco: o velho com os braços erguidos, o guri a dominá-lo com o revólver. De repente, porém, o telefone tocou.

– Atende aí – pediu o Senador, num sopro.

Estava salvo: o menino tomou do fone, descobrindo brinquedo novo, e abaixou o revólver. O Senador aproveitou a trégua para apoderar-se da arma. Então pôs-se a tremer, descontrolado, enquanto retirava as balas com os dedos aflitos. O menino começou a chorar:

– Me dá! Me dá!

A mulher do senador vinha entrando:

– O que foi que você fez com ele? Está com uma cara esquisita… Que aconteceu?

– Acabo de nascer de novo – explicou simplesmente.

Fernando Sabino

 

Analisando a crônica de Fernando Sabino, um dos grandes mestres do gênero na literatura brasileira, podemos observar que há todos os elementos que regem uma narrativa:

Narrador: narrador-personagem (narra e participa da história), o Senador.

Enredo: uma criança acha uma arma carregada, fruto do descuido de um adulto, e passa, inocentemente, a ameaçar o avô, que entra em desespero com a possibilidade de morrer naquela circunstância pitoresca.

Personagens: o Senador, o menino, a mulher do senador.

Ambiente: quarto do Senador.

Tempo: contemporâneo, não é possível precisar mês e ano.

Já sabemos que a narrativa está centrada num conflito, que pode se dar entre a personagem e o meio físico, ou entre ele e sua consciência (vide a obra de Clarice Lispector como maior exemplo), ou entre dois personagens (conforme vimos na crônica de Fernando Sabino). Podemos dizer que na história de Sabino há um protagonista (o mocinho) e o antagonista (ironicamente a criança, o “vilão” da narrativa). Essas duas palavras, “protagonista” e “antagonista” são oriundas do grego. Veja seus significados, conhecimento que certamente auxiliará na compreensão desses dois elementos do texto narrativo:

Protagonista [do grego protagonistés, o principal ‘ator’, ou ‘competidor’.]. S. 2g. 1. O primeiro ator do drama grego. (…). 2. Teatro e Cinema. A personagem de uma peça teatral, de um filme, de um romance, etc. 3. Figurativo. Pessoa que desempenha ou ocupa o primeiro lugar num acontecimento.

Antagonista [do grego antagonistés, pelo latim antagonista.]. Adj. 2g. 1. Que atua em sentido oposto; opositor, adversário. (…). S. 2g. 4. Pessoa que é contra alguém ou algo; adversário, opositor.

(FERREIRA, Aurélio B. de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira)

Como você já deve ter percebido, um é “o principal lutador”; o outro é “o que luta contra”. É importante ressaltar que você, ao construir uma narrativa, não deve desprezar a importância do antagonista para o enredo, pois o sucesso de uma narrativa está diretamente relacionado à caracterização dessa personagem.

Viu só? A narração é um tipo textual muito interessante! Posteriormente falaremos de maneira detalhada sobre os elementos da narrativa (narrador, enredo, personagens, ambiente e tempo). Fique sempre de olho nas novidades do Escola Educação! Boa leitura e bons estudos é o que desejamos a você!

Curiosidades:

Quem foi Fernando Sabino?

Fernando Tavares Sabino nasceu em Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, no dia 12 de outubro de 1923. Foi um escritor e jornalista brasileiro, considerado, ao lado de Carlos Drummond de Andrade, Paulo Mendes Campos e Dalton Trevisan, como um dos maiores cronistas da literatura brasileira. Está tematicamente e cronologicamente associado à Geração de 1945 do Modernismo, um dos seus principais representantes da prosa. Além de ter sido escritor e jornalista, foi também cineasta, é dele a direção do documentário sobre a vida de Carlos Drummond de Andrade “O fazendeiro do ar”, de 1972.
O escritor faleceu às vésperas de completar 81 anos de idade, no dia 11 de outubro de 2003, na cidade do Rio de Janeiro.

Conheça mais a obra de Fernando Sabino!

Luana Alves
Graduada em Letras

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