As eras do trabalho escravo no Brasil – Dos engenhos às minas de ouro

A escravidão foi a principal mão de obra utilizada pelos portugueses durante o Brasil colônia. As sequelas desse período marcaram profundamente a formação do povo brasileiro.

Durante a vigência do período colonial no Brasil, a forma de trabalho predominante era a escrava, marcada pela exploração da mão de obra indígena e africana.

Instaurado no território recém-descoberto por volta da década de 1530, o regime escravocrata acometeu inicialmente a população indígena, primeiros habitantes da região, e posteriormente a de negros vindos da África (tráfico negreiro).

A escravidão no Brasil surgiu em razão das demandas portuguesas por trabalhadores braçais que desbravassem e cultivassem as novas terras no início dos séculos XVI e XVII. 

Inicialmente, a forma de abordagem adotada pelos portugueses consistia no escambo com os indígenas, sendo posteriormente substituído pela escravidão.

Cruel e desumano, o trabalho escravo mesmo após mais de 130 anos de abolição, ainda gera efeito na construção social do povo brasileiro. Pobreza, discriminação racial e violência ainda marcam as populações indígenas e afro-descendentes. 

Origem da escravidão no Brasil

Implantada logo em seguida ao descobrimento do novo território, a partir de 1530, quando foi instaurado o sistema de capitanias hereditárias pelos portugueses, a escravidão ganhou força e passou a ser adotada em todo o território.

Anteriormente, a relação entre os portugueses e os primeiros habitantes da nova colônia portuguesa era de cordialidade, baseada no escambo com os indígenas de produtos manufaturados europeus pela madeira do pau-brasil.

No ano de 1534, as capitanias hereditárias estavam estabelecidas e, com o novo modelo político, iniciou-se o processo de cultivo de cana-de-açúcar e desenvolvimento de engenhos para a produção em larga escala de açúcar.

Por ser uma tarefa complexa e que precisava de uma quantidade maior de mão-de-obra, a coroa portuguesa e seus representantes viram na escravidão a solução para a falta de trabalhadores, visto que os próprios portugueses recusavam se submeter ao trabalho pesado.

Com isso, o primeiro grupo a sofrer com a escravidão foram os índios.

Escravidão indígena no Brasil

Até meados do século XVII, os índios foram a principal fonte de mão de obra escrava dos portugueses no território recém-descoberto. 

Para eles, escravizar um indígena era mais fácil e acessível em comparação com um africano. Mas esse pensamento caiu por terra quando os primeiros problemas relacionados aos índios começaram a aparecer.

Assim que a escravidão teve início, surgiram também os obstáculos oriundos do seu processo. Culturalmente, a população indígena não estava acostumada com a ideia de trabalho contínuo para produção em larga escala, algo tipicamente europeu.

Somou-se à isso os conflitos entre os colonos, apoiadores da escravidão indígena, e os padres jesuítas que enxergavam os nativos do novo continente como rebanho em potencial a serem convertidos ao catolicismo. As disputas entre ambas as partes eram frequentes, sendo comuns os ataques de bandeirantes à missões jesuíticas no intuito de sequestrar os índios lá instalados e transformá-los em escravos.

Desse modo, a pressão dos jesuítas contra o trabalho escravo começou a gerar problemas para os colonos, sobretudo quando a Coroa aprovou a proibição da escravidão indígena em 1570. Apesar da lei em vigor, os índios continuavam sendo dominados e escravizados, principalmente nas regiões onde a economia não era tão próspera e a quantidade de africanos ainda era pequena.

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Os índios foram a primeira mão de obra escrava do Brasil colônia e em outras parte do continente americano

Além dos problemas citados acima, outra adversidade impedia a “prosperidade” do sistema escravista indígena. Os nativos sul-americanos eram suscetíveis às doenças dos brancos, como gripe, sarampo, varíola, e etc. A ausência dessa defesa biológica fez com que milhares deles fossem mortos em razão de epidemias.

Acrescenta-se a isso as constantes guerras e trabalhos pesados nas lavouras e engenhos.

Chegando a custar até três vezes mais baratos que um escravo africano, os índios eram chamados de “negros da terra”. Segundo o historiador Stuart Schwartz, na década de 1570, enquanto um escravo africano custava 20 mil-réis, um escravo indígena valia cerca de 7 mil-réis. 

Em resumo, principal mão de obra escrava, a população indígena sofreu com o trabalho forçado até meados do século XVII. Estudos apontam que o número de índios escravos era maior do que o número de engenhos recém-instalados pelo país. 

Com o crescimento e prosperidade da economia açucareira das regiões de Pernambuco e Bahia a demanda por mão de obra também aumentou e, para dar conta da produção, iniciou-se o processo de importação da mão de obra escrava oriunda da África.

Escravidão de africanos

Mesmo com a escravização indígena ainda em alta, os primeiros negros africanos já chegaram ao Brasil a partir da década de 1550, por meio do tráfico em navios negreiros

O sistema escravista africano não era novidade na época, pois o negócio já fazia fortuna ao longo de três séculos.

Com feitorias instaladas na costa africana, os portugueses mantinham relações comerciais com reinos do continente africano desde o século XV. Dentre os negócios, a compra de escravos já era um prática comum.

Assim que a colonização brasileira ganhava força e crescia exponencialmente, aumentava em larga escala a necessidade por trabalhadores de mão de obra barata. Atribui-se aí o sucesso do intenso tráfico negreiro com destino às terras brasileiras. 

Estima-se que ao longo dos 300 anos de tráfico de escravos oriundos da África para outros continentes, cerca de 4,8 milhões de africanos aportaram em terras brasileiras. O resultado disso: o Brasil foi o país que mais recebeu africanos para o trabalho escravo ao longo de três séculos.

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Estima-se que cerca de 4,8 milhões de 4,8 milhões de africanos aportaram em terras brasileiras para o trabalho escravo.

A princípio, eles eram trazidos com o intuito de atender às demandas de produção nos engenhos de cana-de-açúcar, posteriormente mudando para as minas e agricultura.

Marcada pela violência dos senhores coloniais, a jornada diária de trabalho chegava a 20 horas, sendo o trabalho nos engenhos mais pesado do que as atividades em meio às plantações.

Acidentes eram bastante recorrentes, principalmente nas moendas, local onde era moída a cana para a extração do seu caldo. Mutilações e perda de membros eram alguns dos incidentes que causavam hemorragias que levavam à morte.

Nas áreas das fornalhas e caldeiras, lugar onde se cozinhava o caldo da cana, casos de queimaduras acometiam boa parte dos escravos. Esses dois setores em específico eram destinados aos escravos rebeldes e fujões como forma de punição.

Os engenhos considerados grandes chegavam a ter cerca de 100 escravos ou até mais e, em muitos deles, o dono da propriedade não chegava a manter contato ou relação direta com eles.

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A máscara de flandres tinha como objetivo evitar a ingestão de minérios preciosos e ouro pelos escravos como forma de contrabando.

As condições físicas e sanitárias dos locais onde ficavam mantidos os trabalhadores eram desumanas e insalubres. Os escravos dormiam diretamente no chão duro da senzala, sem banheiro e condições para higiene básica, sendo constantemente monitorados para que não fugissem. A comida servida era pobre em nutrientes e fraca. A solução encontrada pelos escravos foi cultivar pequenas lavouras como complemento da dieta.

Para os trabalhadores da casa-grande, lugar onde vivia a família do senhor dos escravos, a situação era um pouco mais favorável, pois eles comiam mais vezes ao dia e andavam mais bem-vestidos em relação aos que viviam na senzala.

Havia ainda os escravos que exerciam funções nas cidades, sobretudo no Rio de Janeiro. Dentre as ocupações estavam o trabalho de vendedor, mestre em artesanato, estivador, serviços domésticos e barqueiro.

Grande parte dos escravos vivia acorrentada para evitar possíveis tentativas de fuga, usando máscaras de ferro, sendo a mais conhecida a máscara de flandres, para evitar que engolissem diamantes ou que cometessem suicídio ingerindo terra.

A violência marcou o período escravista no Brasil. Com o intuito de colocar medo, os senhores e seus capatazes açoitavam os escravos revoltos em público, como exemplo para os outros. A quantidade de chibatadas chegava a 300, levando muitos deles à morte. 

No caso das mulheres escravas, os frequentes abusos sexuais e estupros davam outra dimensão à crueldade e brutalidade, pois eram vistas como objeto pelos senhores e feitores dos engenhos.

Segundo o historiador Thomas Skidmore, por meio de um relato de um ex-escravo, ofensas insignificantes já davam motivos suficientes para escravos serem jogados vivos em fornalhas ou serem mortos  por envenenamento e pela forca. 

Entretanto, esses abusos não eram aceitos de forma passiva pelos grupos de escravos que resistiam aos ataques fugindo para os quilombos (sociedade formada por escravos fugitivos) ou até mesmo matavam os feitores e senhores. 

Dois acontecimentos notórios relacionados à resistência dos escravos entraram para a história: criação do Quilombo de Palmares e a Revolta de Malês.

Trabalho escravo nas minas: mortes e insalubridade

Como visto anteriormente, entre os séculos XVI e XVII, a principal atividade econômica do período colonial estava direcionada aos engenhos de cana-de-açúcar

Contudo, em alguns casos, como nas cidades litorâneas, era comum encontrar escravos atuando como vendedores, mestres em artesanato, sapateiros, alfaiates, ferreiros, marceneiros, serviços domésticos e no setor naval. Eram os chamados “escravos de ganho”.

As mulheres citadinas também tinham espaço nas funções de vendedoras ambulantes, amas de leite e doceiras.

Com a ascensão da mineração nos Estados de Minas Gerais e Goiás a partir do século XVIII e XIX pelos bandeirantes paulistas, grande parte dos escravos foram remanejados para essas regiões com o objetivo de trabalharem na extração de minérios, como o ouro (Ciclo do Ouro) , e para a criação de gado. Foi nessa época que começava a surgir a prática do tropeirismo, atividades comerciais realizadas de uma região à outra. 

É unanimidade entre os historiadores a afirmação de que a vigilância dos escravos na mina era maior, pois temia-se que o ouro encontrado fosse contrabandeado assim que encontrado pelos trabalhadores.

Se nos engenhos as condições de trabalho eram precárias, nas minas isso apenas se intensificou. Muitos escravos não resistiam mais do que cinco anos, em razão da insalubridade e os acidentes de trabalho, geralmente causadas por soterramento ou rompimento de barragens de contenção das minas. 

Tudo isso associado à precária alimentação, o não tratamento e proliferação de doenças, longos períodos de trabalho dentro da água e a falta de circulação de ar caracterizavam a situação dos escravos das minas.

Apenas no dia 13 de maio de 1888, aprovada pelo Senado e assinada pela princesa Isabel, a Lei Áurea entrava em vigor. Vale ressaltar que o Brasil foi o último país do continente americano a extinguir o trabalho escravo

No entanto, isso não quer dizer que os problemas acabaram. O processo de libertação dos escravos não veio acompanhado de medidas de suporte aos negros, que continuaram sofrendo preconceito, falta de oportunidades de trabalho, violência e o não acesso aos estudos. 

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