Crise na Argentina: Entenda o que está acontecendo
Em meio a uma turbulenta crise econômica, somente neste ano, a moeda da Argentina já perdeu metade do valor e as taxas de juros são as mais altas do mundo.
Em meio às turbulências políticas pelas quais o Brasil passa e a grave crise que está se arrastando há anos na Venezuela, outro país da América Latina pede socorro: a Argentina.
Apesar de pouco discutido nos veículos brasileiros, o problema é sério e já tomou grandes proporções. Temendo os impactos desse cenário conturbado, importantes empresas brasileiras já estão incluindo em seus balanços os riscos relacionados à crise.
Para entender porquê a Argentina está em crise, fizemos um levantamento dos últimos anos e os principais fatores que fizeram com que o país chegasse na situação atual.
Contexto histórico e eleição de Macri
Em meio a golpes de Estado e governos militares autoritários, há mais de 50 anos a Argentina tenta estabelecer o modelo econômico ideal para ser implantado no país, que é um dos maiores produtores de alimentos do mundo.
O conservador Mauricio Macri foi eleito em 2015, especialmente com a missão de resolver os problemas econômicos do país. Ele é um dos empresários mais ricos da Argentina e foi uma aposta da população que estava inconformada com o posicionamento dos governos anteriores.
Porém, desde o início essa missão não foi fácil. Ele assumiu o Estado praticamente à beira da recessão. Há quatro anos a Argentina não registrava crescimento, além do déficit fiscal (despesas maiores que receitas) e inflação nas alturas.
Naquela época, cerca de 30% dos argentinos viviam em situação de extrema pobreza, os índices de desemprego eram consideráveis e 40% dos trabalhadores empregados estavam no mercado informal. Sem conseguir colocar suas ações em prática, boa parte dos problemas foram creditados a ex-presidente, Cristina Kirchner.
Uma das possibilidades, segundo os setores mais críticos, é que Macri não tenha conseguido lidar com a histórica realidade dos gastos econômicos elevados. Não houve melhora nos indicadores macroeconômicos. Pelo contrário, eles estão piores do que no passado.
Queda do peso e aumento do dólar
Com tendência de alta em relação a várias moedas, inclusive o real, o dólar em disparada é um dos fatores que fomenta a crise no país. Desde o início do ano o peso argentino passa por uma grave desvalorização.
Com isso, nos últimos meses a moeda norte-americana subiu muito, de modo que em maio de 2018, em um número recorde, eram necessários 25 pesos para comprar U$ 1. Alguns dos motivos para que isso tenha acontecido, além da pressão externa, foi a própria insegurança econômica do país, que motiva o aumento da procura pelo dólar.
No mês de agosto do mesmo ano, em apenas dois dias, o peso argentino acumulou uma nova desvalorização histórica em relação ao dólar. Em um ano, a depreciação da moeda argentina já completa 50%.
Para resolver esses problema é necessário levar em consideração alguns pontos, todos extremamente complicados. Uma das questões é manter, ou não, o histórico déficit fiscal. Se tentar colocar fim a esse desequilíbrio de forma gradual, um dos riscos é que inflação fique ainda mais alta.
Por outro lado, se der uma solução imediata, cortando despesas, milhões de argentinos sofrerão com a medida, já que a Argentina é um dos países mais assistencialistas da América Latina.
Esse cenário incerto e o gradualismo nos ajustes, ao contrário do que esperava Macri, afugentou, ainda mais, os investidores e aumentou a fuga de capitais.
Elevação das taxas de juros
Outro elemento importante para entender o cenário argentino está diretamente ligado com a alta do dólar. Com o intuito de evitar a saída da moeda do país, no início de maio, em apenas dois dias, o Banco Central subiu a taxa de juros por duas vezes.
Naquele período, a taxa de juros argentina passou a ser a maior do mundo, subiu de 30,25% ao ano para 40%. Entretanto, apenas isso não foi suficiente para fazer com que os investidores mantenham o dinheiro no país. Como não há confiança na economia do país, o câmbio segue disparado.
Não obstante, no mês de agosto uma nova medida foi anunciada, desta vez, elevando a taxa de juros a um patamar inimaginável e recorde no mundo todo, 60% ao ano.
Queda na reserva de dólar
Na tentativa de conter a alta do dólar, outra medida tomada pelo Banco Central foi o uso da reserva da moeda internacional. Na prática, os dólares foram injetados no mercado, pois, com o aumento disponibilidade da moeda, consequentemente o seu valor sobre o peso diminuiria.
Entre março e maio de 2018 a redução foi de quase 10% da reserva total, cerca de US$ 6 bilhões, deixando o montante da reserva argentina em US$ 56 bilhões.
Ajuda do FMI e Inflação
O caos econômico fez com que a Argentina precisasse tomar uma medida drástica. Uma linha de crédito de mais de US$ 30 bilhões foi pedida ao Fundo Monetário Internacional (FMI).
Em junho o país assinou um contrato com o Fundo no valor de U$ 50 bilhões. A primeira parcela, no valor de US$ 15 bilhões, foi liberada após a assinatura e o restante do dinheiro estava previsto para os próximos três anos.
Entretanto, no final do mês de agosto o presidente argentino anunciou o fechamento de um acordo com o FMI para um adiantamento de fundo, buscando garantir o cumprimento do programa financeiro de 2019.
Para cumprir o seus compromissos com o Fundo, o país está seguindo um rígido plano de ajustes. O programa, entre outras coisas, inclui uma meta de déficit fiscal de 2,7% do PIB em 2018 e de 1,3% em 2019. Essa taxa superou 6% no fim de 2015 e se aproximou de 4% ao término de 2017.
Por conta de todos esse problemas, no final do mês de julho, Macri anunciou que a inflação da Argentina deve fechar o ano em 30%, o dobro do previsto em dezembro do ano passado. Um dos objetivos desse adiantamento é justamente reduzir a inflação, uma vez que as metas estabelecidas são mais realistas.
Como a crise na Argentina pode afetar o Brasil?
O cenário econômico argentino pode causar impactos extremamente negativos no Brasil. Isso porque o país vizinho é um dos principais parceiros econômicos do nosso país.
Além disso, a Argentina é um dos maiores compradores de veículos fabricados aqui. E não para por aí, o país é o terceiro maior importador de produtos brasileiros, ficando atrás apenas da China e dos Estados Unidos. A redução das transações comerciais, de fato, pode afetar nossa economia. A redução das transações comerciais, de fato, pode afetar nossa economia.
No mais, em virtude do contexto de crise, muitos argentinos devem deixar de procurar destinos turísticos, inclusive as praias brasileiras, muito procuradas pelos vizinhos. Isso deve representar uma queda significativa nas receitas do turismo do nordeste brasileiro.
Por outro lado, levando em consideração essa fuga de investidores da Argentina, as apostas estrangeiras poderão encontrar no Brasil e em outros países vizinhos, como Bolívia e Paraguai, novos mercados um cenário mais animador.
Entretanto, para que isso se consolide, se faz necessário que o Brasil apresente maior confiança em relação a sua capacidade econômica. Atualmente, o crescimento econômico brasileiro é baixo e o desemprego é alto. Além disso, o dólar disparou em relação ao real, podendo gerar pressões inflacionárias.
Ainda assim, as chances de que o Brasil viva uma crise semelhante a Argentina são muito pequenas. Principalmente por conta do baixo valor em dólar da dívida brasileira e pelas boas reservas internacionais que o país possui.
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