Você sabe como é feita a demarcação das terras indígenas?
Entenda o conceito de terras indígenas, os requisitos para demarcação e quais os direitos dos povos indígenas e deveres do estado nesta questão.
A luta pela terra é uma questão, há muito, enfrentada pelos povos indígenas. Os primeiros habitantes do país viram-se, ao longo da História, envolvidos no direito de ter onde viver e produzir. Mas, esta é uma questão muito mais complexa e que, de fato, deve ser encarada por toda a sociedade.
Uma das principais dúvidas relacionadas a este assunto é quanto à demarcação das terras indígenas. Antes de tudo, como definir um espaço como “terra indígena”? Como as terras destinadas às nações são delimitadas? Quais os deveres do estado na proteção dos vários povos espalhados pelo Brasil?
Qual o conceito de terras indígenas?
A priori, a definição de terras indígenas está explícita no Art. 231 da Constituição Federal Brasileira que diz ser as porções:
“por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições”.
Resumindo, são os espaços habitados pelas diversas nações indígenas no país. Porém, seu conceito vai além por estar relacionado à reprodução social, cultural, física e econômica desses povos, considerando seus costumes e tradições.
Mas, é preciso entender que as terras indígenas constituem patrimônio da União, ou seja, não pertencem aos povos que habitam nelas. São chamadas de bens públicos de uso especial. O que isso significa? Que ninguém, além das nações indígenas, pode habitar nestas terras que são, ainda, indisponíveis e inalienáveis.
Essa condição assegurada pela Constituição dá, aos índios, o direito à posse permanente, além do uso das riquezas dos rios, solo e lagos existentes nestas terras.
Quantas terras indígenas existem hoje?
Há certa disparidade com relação ao número de terras indígenas, atualmente. Levantamento da FUNAI indica a existência de 732 territórios indígenas nas seguintes situações:
- Seis portarias de interdição
- 15 terras indígenas homologadas
- 16 reservas indígenas encaminhadas
- 34 reservas indígenas regularizadas
- 43 terras indígenas demarcadas
- 72 terras declaradas
- 111 terras indígenas em estudo
- 435 terras regularizadas
Instituições e organizações não governamentais (ONG’s), entretanto, consideram as chamadas “terras sem índios”, que são aquelas cujo processo de demarcação da FUNAI ainda nem começou. O Conselho Indigenista Missionário (CIMI), por exemplo, afirma que há 1296 terras indígenas no Brasil.
Delas, 63,3% não recebeu nenhuma providência administrativa por órgãos do Estado.
Como é feita a regularização fundiária dos territórios indígenas?
O direito ao território garantido aos indígenas pode ser imposto pelas seguintes formas:
- Terras interditadas: áreas interditadas para proteção de povos indígenas em isolamento voluntário (que não mantêm contato com a sociedade não indígena e nem com outros indígenas por escolha própria), portanto, mediante o controle da circulação de terceiros. Disciplinado pelo Decreto n.º 1775/96.
- Terras Dominiais: adquiridas por compra ou doação, sendo de propriedade das comunidades indígenas. As terras não são apenas de usufruto dos indígenas e propriedade da União.
- Reservas Indígenas: doadas por terceiros, adquiridas e/ou desapropriadas pela União, destinando-se à posse permanente dos povos indígenas. Pertencem ao patrimônio da União, além de não corresponder às terras de ocupação tradicional da etnia em questão.
- Tradicionalmente ocupadas: conforme listado no Art. 231 da CF, são aquelas de ocupação tradicional, portanto, direito originário dos povos. A demarcação é feita seguindo o Decreto n.º 1775/96.
Como é feita a demarcação?
A demarcação das terras indígenas é o meio administrativo pelo qual um território ocupado, tradicionalmente, por uma ou mais etnias é limitado. No Brasil, compete à Fundação Nacional do Índio (FUNAI) no intuito de proteger e respeitar os bens das respectivas nações.
A incumbência se deve ao fato de que a fundação é o órgão responsável pela coordenação e execução da política indigenista no Brasil. Todo um processo que inclui requisitos legais e técnicos deve ser seguido, considerando os seguintes fatores:
- Verificação de demanda territorial: é o primeiro passo, quando um antropólogo analisa a demanda do povo indígena e, depois, elabora a Qualificação da Demanda. Nela, deve indicar a área reivindicada, além do contexto social, político e econômico.
- Estudos de identificação e delimitação: um grupo técnico (GT) indicado pela FUNAI e coordenado por um antropólogo realiza pesquisas que fundamentarão o Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação da Terra Indígena (RCID). Esse documento deve ser aprovado pelo presidente da FUNAI e, depois, tem um resumo publicado nos Diários Oficiais da União e do respectivo Estado.
- Contraditório Administrativo: é o caso em que estados, municípios e qualquer interessado na área demarcada manifesta-se para pedir indenização ou indicar erros no relatório. As justificativas devem ser apresentadas à FUNAI e analisadas pelo ministro da Justiça.
- Delimitação do território: declaração dos limites da terra indígena e determinação de sua demarcação. Esta é feita por meio de portaria declaratória do ministro da Justiça.
- Demarcação física e aprovação: a FUNAI promove a demarcação e a fixação dos limites físicos da terra indígena e a aprovação vem por meio de decreto.
- Levantamento: FUNAI e INCRA realizam o levantamento de não indígenas que estejam ocupando determinada área. Se forem “ocupantes de boa fé”, são indenizadas para deixar o local. Em casos de grilagem (falsificação de documentos para tomar posse de terras devolutas ou de terceiros), por exemplo, devem deixar o local sem direito à indenização.
- Aprovação da demarcação: o Presidente da República efetua a demarcação por meio de decreto, acompanhada da retirada de ocupantes não-índios mediante o pagamento de indenizações. Aí, entra o INCRA para reassentar estes ocupantes caso eles se enquadrem no perfil da reforma agrária.
- Registro: a FUNAI registra as terras indígenas na Secretaria de Patrimônio da União (SPU) no prazo máximo de trinta dias após a publicação da homologação.
- Interdição da área: feita pela FUNAI em casos de tribos indígenas isoladas
Direito Constitucional
A demarcação de seus territórios é um direito pelo qual os povos indígenas vêm lutando ao longo da História. Antes dos capítulos específicos constantes na Constituição Federal (título VIII, “Da Ordem Social” e capítulo VIII, “Dos Índios”), direitos relacionados às nações já estavam expressos no ordenamento jurídico.
Entretanto, as expressões não garantiam os direitos fundamentais indígenas, o que inclui, até mesmo, o reconhecimento de suas tradições como legítimas e respeitadas pelo Estado Nacional. Até a promulgação da Carta Magna, os índios eram visto sob a perspectiva assimilacionista, ou seja, estavam perdendo seus costumes e tradições.
Nessa visão, os povos eram vistos, apenas, como uma “categoria” transitória fadada ao desaparecimento. O absurdo era tanto que, até mesmo, o Estatuto do Índio trazia a expectativa de que estes povos “deixariam de ser índios”. Outra mudança que a Constituição de 88 trouxe foi quanto ao tamanho das terras indígenas.
Por lei, os povos devem ter espaço suficiente para garantir sua reprodução física e cultural. Ainda nesse sentido, deveriam ser demarcadas as terras, tradicionalmente, ocupadas pelas respectivas nações. Sendo assim, a demarcação das terras indígenas permanece como uma obrigação do Estado brasileiro.
Outros documentos resguardam esse direito, tais como o Decreto 5051/04 e a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho no Brasil (OIT). Entretanto, ainda se vê intensos conflitos entre indígenas e não indígenas pela posse de terras. Isso é resultado do confinamento territorial e restrições impostas a povos localizados, especialmente, nas regiões Sul, Sudeste e Nordeste, além de partes do Centro-Oeste.
Qual a importância de demarcar as terras indígenas?
O Brasil abriga, atualmente, cerca de 305 etnias indígenas. Seria justo que tamanha riqueza cultural ficasse desalojada ou sem suporte? Essa é a principal importância na demarcação de suas terras por garantir que estes povos mantenham suas tradições, cultura, saberes e modos de vida, preservando sua contribuição para o patrimônio brasileiro.
O Art.24, inciso VII da Constituição reza que,
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
VII – proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico;
Por sua vez, o texto do Art.225 da Carta Magna afirma que,
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.
Sendo assim, torna-se dever do Estado, através da União, garantir a demarcação das terras indígenas pelo fato de constituírem Patrimônios Histórico e Cultural brasileiros. Tal atribuição, também, garante a proteção do meio ambiente e biodiversidade.
Trata-se, também, do pagamento de uma dívida histórica com esses povos, a fim de propiciar condições dignas de sobrevivência, tanto do ponto de vista físico quanto cultural, de forma a preservar a identidade cultural brasileira.
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