Entenda o PL contrário ao aborto que tem dado o que falar
Ainda em tramitação na Câmara dos Deputados, o texto tem dividido opiniões no país.
Nas últimas semanas, o debate público nacional foi tomado por discussões em torno do Projeto de Lei (PL) 1904/24, de autoria do deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL-RJ).
O texto traz uma forte polêmica acerca da legalidade de procedimentos de aborto no país.
Em tramitação acelerada na Câmara dos Deputados, o PL prevê que operações abortivas que atinjam fetos a partir de 22 semanas de gestação sejam equiparadas a um homicídio.
Atualmente, o aborto é permitido no país em caso de estupro, quando o feto é anencéfalo (não possui cérebro) e se a gestação põe em risco a vida da mãe. Abortos realizados fora dessas situações são considerados crimes.
Como não poderia deixar de ser, a matéria tem gerado um grande alvoroço entre os defensores do seu teor e aqueles que criticam o projeto e o regime de urgência com o qual é tratado.
Opiniões contrárias ao PL
Se o PL 1904/24 virar lei, pessoas que participarem do aborto de um bebê com mais de 22 semanas, o equivalente a cinco meses e meio, podem pegar entre seis e 20 anos de cadeia, mesma pena aplicada para assassinos.
Vale destacar que o efeito não se aplicaria a casos de anencefalia e risco de vida para a mãe, apenas para abortos eletivos, sob qualquer circunstância.
Para os críticos da proposta, seria inaceitável supor que uma mulher que engravidou devido a um estupro possa ser condenada por homicídio, caso decida abortar a criança.
Um exemplo é o caso de uma menina de 10 anos que, em 2020, conseguiu na justiça o direito de interromper uma gravidez concebida após ser estuprada pelo tio.
Hoje com 14 anos, a jovem é amparada pela família, cujos membros deram entrevista ao Fantástico recentemente.
“Nossa, destruiu a família toda, na verdade. Desmoronou toda a estrutura da família”, disse um tio da menina, sobre o ocorrido.
A avó da criança, que a cria desde os 27 dias de nascida, comentou que jamais desconfiou do tio da jovem, que está preso pelo crime de estupro.
“De jeito nenhum. O que aconteceu, eu fiquei de boca aberta. Eu nunca imaginava”, declarou ela.
Ainda segundo a avó, o criminoso ameaçava a menina para que ela não revelasse os crimes cometidos.
“Dizia que se ela falasse alguma coisa ia matar o pai dela. Ia matar eu, matar o avô, os tios e principalmente a tia, que ela [a vítima] gostava muito e era a mulher dele”, complementou.
O que dizem os defensores da proposta?
Em defesa do PL 1904/24, os parlamentares consideram a proposta um assunto de relevância primordial, por isso a urgência.
Mulheres, homens, entidades, intelectuais, artistas e políticos têm debatido com fervor o projeto.
O ator Juliano Cazarré, por exemplo, defende que a vida do feto seja preservada mesmo em casos de estupro.
“Todo aborto é o assassinato de um inocente. Então, mesmo nos casos mais extremos, como por exemplo, um estupro, o assassinato da criança não apaga o crime, não vai fazer com que aquele trauma vá embora”, declarou em suas redes sociais.
Em abril, o Conselho Federal de Medicina (CFM) emitiu uma resolução que, na prática, proíbe médicos de realizarem o procedimento em gestantes com fetos acima de 22 semanas, chamado de assistolia fetal.
Contudo, a atual lei sobre aborto não delimita marcos temporais em que esse procedimento pode ser efetuado ou não. Por esse motivo, o Ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu a resolução.
Debate segue acalorado no Congresso
Deputados e senadores estão apreciando o PL 1904/24, que deve ser levado à votação no plenário em breve.
Inclusive, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, afirmou que vai indicar uma mulher de posições moderadas (nem pró, nem contra) para relatar a proposta.
“O tema é polêmico. Se não tiver apoio ele não será aprovado, ele não será sequer discutido. O relator, que eu já fiz compromisso com a bancada feminina, neste projeto será uma parlamentar moderada, que não defenda posições nem pró e nem contra”, declarou Lira.
Já o senador Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, afirmou que quando chegar à casa o projeto deve passar por todas as comissões antes de ir à votação. Por tramitar em caráter de urgência na Câmara, o PL 1904/24 não passou pelas comissões da Câmara.
“Um projeto dessa natureza, que é evidentemente de matéria penal e que guarda de fato muita divisão, muita polêmica, é muito importante se ter cautela em relação a ele.
Evidentemente, um projeto dessa natureza teria o caminho de se incluir dentro do bojo da discussão de código penal no Senado Federal, ou ao menos a submissão às comissões permanentes da casa para que haja um amadurecimento em relação a ele.”, disse.
Em comentário sobre o PL, o presidente Lula opinou sobre o assunto:
“Eu sou contra o aborto, entretanto, como o aborto é realidade, a gente precisa tratar o aborto como questão de saúde pública. E eu acho que é insanidade alguém querer punir a mulher em uma pena maior do que a do criminoso que fez o estupro. É no mínimo uma insanidade isso”, criticou o atual presidente da República.
Com a palavra, o autor do Projeto de Lei
O autor do projeto, deputado Sóstenes Cavalcante, também concedeu entrevista ao Fantástico para falar sobre sua proposta.
“Na verdade, o projeto é uma reação à ação do PSOL junto ao Supremo Tribunal Federal. Assistolia é um procedimento médico que é colocar uma injeção no coração do bebê e ele tem um infarto fulminante.
Nós estamos tratando aqui não de embriões no primeiro, no segundo mês, nós estamos tratando de vidas com 5 meses e 2 semanas. São as 22 semanas”, iniciou.
Quando perguntado sobre, Cavalcante respondeu que a menina estuprada pelo tio, que tinha 10 anos quando tudo aconteceu, não seria punida nos moldes da lei, pois é inimputável (toda criança de até 12 anos se enquadra nisso). Na época da interrupção da gravidez, a jovem estava com 19 semanas de gestação.
“Ela é inimputável. Quem disse isso é a lei brasileira. Ela jamais seria punida por isso aqui. Este projeto é tão light que só pune depois de 5 meses e meio de gestação, que é uma vida, segundo a OMS, segundo o Conselho Federal de Medicina.
Eu estou preocupado com este bebê e, lógico, esta menina jamais seria imputável, porque quem garante isso é o código penal brasileiro”, disse o deputado.
Sóstenes Cavalcante comentou ainda que a única modificação que aceitaria para o projeto seria o aumento da pena para estupradores.
“Eu não gostaria e não vou aceitar que existe ajuste para minimizar o que a gente está fazendo. Agora para aumentar, por exemplo, se a relatora, ao ser nomeada, quiser inserir pena maior para o estuprador, eu apoio e incentivo enormemente.
Agora, o cerne do projeto, a defesa do bebê indefeso de 5 meses e meio, eu não vou abrir mão em nenhum ponto”, respondeu.
Por fim, o autor destacou mais uma vez que o projeto é “light” e maleável ao entendimento dos juízes no que diz respeito ao seu cumprimento, caso venha a se tornar lei.
“Essa pena quem vai decidir é o juiz a seu critério. Já está efetuado no parágrafo único, que o juiz inclusive pode não aplicar a pena se ele entender assim. Então o projeto é muito light, o projeto não é radical como as abortistas e as feministas estão querendo colocá-lo”, argumentou.
Opinião da CNBB
A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) é a favor do projeto, marcando mais uma vez posição contrária ao aborto em qualquer circunstância.
Em nota emitida para comentar sobre o tema, a entidade afirmou que “o aborto não é solução” e pode trazer ainda mais traumas à mulher.
“É ilusão pensar que matar o bebê seja uma solução. O aborto também traz para a gestante grande sofrimento físico, mental e espiritual. Algumas vezes até a morte”, destacou a organização religiosa.
* Com informações do G1 e Fantástico.
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