Figuras de sintaxe
As figuras de sintaxe são um importante recurso estilístico empregado na linguagem literária e podem ser confundidas com erros gramaticais.
A língua portuguesa é cheia de curiosidades, não é mesmo? Ela é tão interessante que, apesar de parecer intocável, permite certas transgressões à sua norma. Eis então a pergunta para quem quer aprender mais sobre as especificidades da linguagem literária: você sabe o que são figuras de sintaxe?
As figuras de sintaxe, também conhecidas como figuras de construção, subvertem aspectos lógicos da língua portuguesa. Desvios ortográficos, semânticos e sintáticos são algumas das ocorrências mais frequentes. Entretanto, engana-se quem acredita que essa subversão seja um descuido com a língua e com a norma culta. Na verdade, as figuras de sintaxe são empregadas de maneira proposital, normalmente encontradas em textos do gênero literário, nos quais o estilo pode falar mais alto do que as convenções gramaticais.
Esse recurso é muito utilizado por escritores da língua portuguesa, que utilizam-no para brincar e dar ênfase àquilo que se quer ressaltar. Vale lembrar também que as figuras de sintaxe são cobradas nas diversas provas de concursos públicos e vestibulares, principalmente na prova do Exame Nacional do Ensino Médio, o Enem. Ao lado das figuras de sintaxe estão outros recursos estilísticos, como as figuras de linguagem, figuras de pensamento e figuras de som. Para facilitar o entendimento, observe alguns exemplos das principais figuras de sintaxe encontradas na língua portuguesa:
Exemplos de figuras de sintaxe
Elipse: Omissão de um termo anteriormente enunciado ou sugerido na oração ou no contexto.
Exemplos: São indisciplinados, mas acredito que meus alunos serão aprovados. (Meus alunos são indisciplinados, mas acredito que meus alunos serão aprovados).
“Sobre a mesa, apenas um copo d’ água e uma maçã”.
Neste exemplo, há a omissão do verbo haver. Completa, a oração ficaria: “Sobre a mesa, havia apenas um copo d’ água e uma maçã” . A elipse do verbo em nada altera o conteúdo da oração, que se torna por sua vez mais sintética e econômica.
“Veio sem pinturas, um vestido leve, sandália coloridas.” (Rubem Braga)
“Tão bom se ela estivesse viva me ver assim.” (Antônio Olavo Pereira).
(Tão bom seria se ela estivesse viva para me ver assim.)
Zeugma: Tipo de elipse que omite um termo anteriormente expresso.
Exemplos: “Os adultos foram para o trabalho, as crianças, para a escola. (Os adultos foram para o trabalho, as crianças foram para a escola).
“O meu pai era paulista/Meu avô, pernambucano/O meu bisavô, mineiro/Meu tataravô, baiano.” (Chico Buarque)
“Um deles queria saber dos meus estudos; outro, se trazia coleção de selos (…)” (José Lins do Rego).
“A vida é um grande jogo e o destino, um parceiro temível (…)”. (Érico Veríssimo)
“O colégio compareceu fardado; a diretoria, de casaca.” (Raul Pompeia).
Assíndeto: Figura de construção caracterizada pela omissão das conjunções coordenativas.
Exemplos: “Vim, vi, venci.” (Júlio César)
“Grita o mar, brama o fogo, silva a fera,/Chora Adão, geme o pranto, brada o rogo.” (Francisco de Vasconcelos)
“A tua raça quer partir,/guerrear, sofrer, vencer, voltar.” (Cecília Meireles)
“Luciana, inquieta, subia à janela da cozinha, sondava os arredores, bradava com desespero, até ouvia duas notas estridentes, localizava o fugitivo, saía de casa como (…)” (Graciliano Ramos)
“Fazia riscos, bordados, mandava vir rendas de Grã-Mogol, cosia com amor, aprendia a arte do bilro.” (Cyro dos Anjos)
Polissíndeto: Caracteriza-se pela repetição enfática dos conectivos.
Exemplos: “E sob as ondas ritmadas/e sob as nuvens e os ventos/e sob as pontes e sob o sarcasmo/ e sob a gosma e sob o vômito. – Euclides da Cunha. (E sob as ondas, sob as nuvens, sob os ventos, sob as pontes, sob o sarcasmo, sob a gosma e sob o vômito).
“Vão chegando as burguesinhas pobres/e as crianças das burguesinhas ricas/e as mulheres do povo, e as lavadeiras da redondeza.” (Manuel Bandeira)
“Há dois dias meu telefone não fala, nem ouve, nem toca, nem tuge, nem muge.” (Rubem Braga)
“Canto, e canto o presente, e também o passado e o futuro.” (Fernando Pessoa)
“Falta-lhe o solo aos pés: recua e corre, vacila e grita, luta e ensanguenta, e rola, e tomba, e se espedaça,e morre.” (Olavo Bilac)
“(…) e os desenrolamentos, e os incêndios, e a fome, e a sede; e dez meses de combates, e cem dias de cancioneiro contínuo; e o esmagamento das ruínas…” (Euclides da Cunha)
Pleonasmo: Repetição de ideias como o objetivo de enfatizá-las. Difere-se do pleonasmo vicioso, esse considerado um vício de linguagem.
Exemplos: “Arregaçou as mangas e encarou de frente a situação”. (“Encarar de frente” é uma redundância).
“Chovia uma triste chuva de resignação” (Manuel Bandeira)
“Ó mar salgado, quanto do teu sal/ São lágrimas de Portugal!” (Fernando Pessoa)
“Morrerás morte vil na mão de um forte.” (Gonçalves Dias)
“E rir meu riso e derramar meu pranto” (Vinicius de Morais)
“Me sorri um sorriso pontual” (Chico Buarque)
Silepse: Também conhecida como concordância ideológica. Pode referir-se ao gênero, número e pessoa.
Exemplos: “Todos neste país somos importantes no combate à violência”. (O verbo “somos” não está concordando com o sujeito “todos”, no entanto, o verbo está concordando com a ideia nele implícita, já que o falante se inclui entre aqueles que são importantes).
Minas Gerais é encantadora! (a concordância é feita com a palavra cidade, feminina, que está subentendida)
A Rio-Santos está engarrafada. (a concordância é feita com a palavra rodovia, feminina, que está subentendida)
A gente está cansado, precisando de férias. (a concordância é feita com o sexo do emissor e não com a locução pronominal)
Vossa Santidade está alerto para os problemas atuais da igreja católica. (a concordância é feita com o sexo da pessoa em questão e não com o pronome de tratamento).
Hipérbato: Caracteriza-se pela troca da ordem direta dos termos da oração.
Exemplos: “Ouviram do Ipiranga as margens plácidas de um povo heróico o brado retumbante”. (As margens plácidas do Ipiranga ouviram o brado retumbante de um povo heróico).
“Mas, como o dele, batia/Dela o coração também.” (Manuel Bandeira)
“Do tamarindo a flor abriu-se, há pouco.” (Gonçalves Dias)
“Não te esqueças daquele amor ardente/que já nos olhos meus tão puro viste.” (Camões).
“Não a Ti, Cristo, odeio ou te não quero.” (Fernando Pessoa)
“O das águas gigante caudaloso…” (Gonçalves de Magalhães)
Anáfora: Caracteriza-se pela repetição de uma mesma palavra ou expressão no início de frases ou em versos consecutivos.
Exemplos: “Era uma estrela tão alta!/ Era uma estrela tão fria!/ Era uma estrela sozinha/ Luzindo no fim do dia”. – Manuel Bandeira. (Era uma estrela tão alta, fria, sozinha luzindo no fim do dia).
Acorda, Maria, é dia
de matar formiga
de matar cascavel
de matar estrangeiro
de matar irmão
de matar impulso
de se matar.
(Carlos Drummond de Andrade)
Luana Alves
Graduada em Letras
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