O que perdemos com o incêndio do Museu Nacional?
Instituição vinculada à Universidade Federal do Rio de Janeiro pegou fogo na noite deste domingo (02) perdendo um acervo com mais de 20 milhões de itens.
A memória nacional brasileira sofreu um duro golpe na noite deste domingo (02). O Museu Nacional do Rio, instituição vinculada à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), sofreu um incêndio de grandes proporções colocando a perder um acervo com mais de 20 milhões de itens nos mais variados temas.
Localizado na Quinta da Boa Vista, no bairro de São Cristóvão da capital fluminense, constitui o museu mais antigo do país, além de ser uma de nossas instituições científicas mais importantes. O incêndio começou por volta das 19h30 e só foi controlado seis horas depois. As causas para o desastre ainda são desconhecidas.
Apesar do esforço de bombeiros e funcionários em retirar peças antes que o fogo se alastrasse, parte inestimável de nossa história foi, completamente, destruída. O diretor do Museu Nacional, Alexander Kellner, afirmou que ainda não ser possível estimar as perdas no acervo mas, já as classifica como de “enorme magnitude”.
“Para o país, é uma perda imensa. […] Grande parte do processo de constituição moderna do Brasil passa pelo Museu Nacional. Aqui temos a história do período de colonização portuguesa, temos o ato simbólico da constituição da República, muitos documentos que falam sobre a nossa memória”, lamentou também o reitor da UFRJ, Roberto Leher.
A História do Museu Nacional
O Museu Nacional é uma instituição vinculada à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e, até meados deste ano, esteve entre um dos maiores museus de história natural e antropologia das Américas. Instituído em 1818, comemorou seus 200 anos em junho de 2018 e configura como a mais antiga instituição científica do Brasil.
O museu foi fundado em 06 de junho de 1818 por Dom João VI porém, inicialmente, instalado no Campo de Santana. Na época, reunia o acervo legado da antiga Casa de História Natural, a “Casa dos Pássaros”, criada em 1784. Abrigava, ainda, coleções de zoologia e mineralogia.
A criação do Museu Nacional tinha como objetivo promover o progresso sócio-econômico do país por meio da difusão da educação, cultura e ciência. Sua magnitude o fez se colocar como o mais importante museu do gênero na América do Sul. O palácio onde, hoje, está localizado fica dentro do parque Quinta da Boa Vista, no bairro de São Cristóvão.
Antes de se tornar museu, serviu de residência às famílias real portuguesa entre 1808 e 1821, e imperial brasileira de 1822 a 1889. Também sediou a primeira Assembleia Constituinte Republicana entre 1889 e 1891. A designação do prédio como museu aconteceu somente em 1892.
O edifício foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) em 1938. Oito anos depois, em 1946, a instituição foi incorporada à UFRJ. Antes do incêndio, o Museu Nacional abrigava um acervo com mais de 20 milhões de itens, incluindo registros importantes nos campos das ciências naturais e antropológicas.
O que tinha no Museu Nacional?
O esforço mútuo de bombeiros e funcionários do Museu Nacional do Rio de Janeiro conseguiu salvar uma pequena parte do que abrigava a instituição. No entanto, a maior parte dos 20 milhões de itens se perdeu. Nisso, estão registros históricos, múmias, fósseis, documentos e obras de arte.
O museu tem três andares e prédios anexos, todos localizados na Quinta da Boa Vista. Para termos uma ideia da importância do Museu Nacional na história mundial, precisamos conhecer o que a instituição abrigava em seus duzentos anos de existência. Citando apenas alguns destaques das exposições, mencionamos:
- “Luzia”, o mais antigo fóssil humano encontrado no país (12 mil anos) que estava exposto na coleção de Antropologia Biológica (original de Lagoa Santa, em Minas Gerais)
- Coleções de Paleontologia que incluíam o Maxakalisaurus topai, dinossauro proveniente de Minas Gerais
- Coleção de arte e artefatos greco-romanos pertencentes à imperatriz Teresa Cristina
- Maior coleção de múmias egípcias da Américas, com peças principais pertencentes à coleção adquirida pelo imperador Dom Pedro I (adultos, crianças e animais)
- Lápides com inscrições em hieróglifos como parte da coleção egípcia
- Meteorito de Bendegó, o maior já encontrado no país (original de Monte Santo, Bahia)
- Coleções de vasos gregos e etruscos (povo de Etrúria, na península itálica)
- Exposição de conchas, corais e borboletas
- Biblioteca particular de Dom Pedro II
- Aposentos das famílias real e imperial
- Corpo mumificado de um índio Aymara, grupo pré-colombiano que vivia junto ao Lago Titicaca
- Caixão de Sha Amun en su, uma das 700 peças da coleção egípcia
- Trono de Daomé (rei africano Adandozan), doado ao príncipe Dom João VI em 1811
- Coleção de arqueologia clássica composta por 750 peças
- Artefatos de civilizações ameríndias, como objetos do povo Tikuna, itens de culturas do Pacífico, 1.800 artefatos da era pré-colombiana
Felizmente, a vice-diretora do Museu Nacional do Rio de Janeiro, Cristina Serejo, afirmou que uma coleção de invertebrados conseguiu escapar do grande incêndio.
Problemas financeiros
O Museu Nacional do Rio de Janeiro é uma das instituições que sofreu com o corte de orçamento destinado à cultura e educação. Em reportagem publicada pela Folha no mês de maio, foi informado que, desde 2014, o museu não recebe a verba anual de R$ 520 mil de forma integral.
Na mesma matéria, constava que dez das 30 salas de exposição estavam fechadas para visitas, entre elas, aquela que guardava o esqueleto de baleia jubarte e do Maxakalisaurus topai, o primeiro dinossauro de grande porte já montado no país. A sala foi interditada depois de um ataque de cupins.
Para reabri-la, o museu organizou uma vaquinha virtual com a meta de arrecadar R$ 50 mil. Até junho, a campanha havia atingido R$ 40 mil. A falta de estrutura fez com que menos de 1% do acervo do museu estivesse em exposição. A decadência física da instituição tornava-se visível aos visitantes, além da falta de recursos tecnológicos das exposições.
A falta de interatividade e o ambiente pouco convidativo podem ser algumas das causas para a queda de público desde 2013. Com ingressos a R$ 8,00, o museu chegou a receber menos de 118 mil visitantes em 2016. A falta de dinheiro levou a UFRJ a fechá-lo, temporariamente, pela falta de condições em pagar funcionários terceirizados.
Nem as comemorações do bicentenário do museu escaparam da falta de verbas por isso, os 200 anos foram celebrados com uma pequena festa. Na data, a instituição festejava, também, um contrato de R$ 21,7 milhões com o BNDES destinados à sua restauração. Outra negociação milionária estava a caminho para bancar uma grande exposição.
Grande incêndio em setembro
Na noite do dia 02 de setembro, um incêndio de grandes proporções tomou conta dos três andares do Museu Nacional do Rio de Janeiro. Uma força-tarefa com 80 homens e 21 caminhões do Corpo de Bombeiros foi acionada para combater o fogo. Veículos da Cedae (Companhia Estadual de Água e Esgoto) e da Comlurb (Companhia Municipal de Limpeza Urbana) ajudaram no transporte de água.
Entretanto, alguns agravantes dificultaram a ação, entre eles, a falta de hidrantes nos arredores do museu. Assim, o combate às chamas foi feito com o apoio de caminhões pipa e água de um lago que fica dentro da Quinta da Boa Vista. O comandante-geral da corporação apontou que o problema atrasou o trabalho em cerca de 40 minutos.
O fogo começou por volta das 19h30 do domingo e só foi controlado às 02h da madrugada de segunda-feira (03). Porém, ainda neste momento, os bombeiros trabalhavam para conter pequenos focos internos, evitando que novo incêndio tomasse conta do prédio já destruído. Apenas algumas peças e equipamentos foram salvos a tempo.
O prédio não contava com nenhum sistema de prevenção de incêndio. Os equipamentos seriam instalados graças à verba obtida com contrato firmado com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para a restauração do museu. A verba de R$ 21 milhões foi assinada durante as comemorações do bicentenário da instituição.
A estrutura antiga do prédio e o que comportava pode ter contribuído para que o fogo se alastrasse. Roberto Leher, reitor da UFRJ, comentou que o museu possuía laboratórios, áreas administrativas e de informática, estruturas que consumiam muita energia.
E agora, o que vai ser do Museu Nacional?
O reitor da UFRJ, Roberto Leher, a o diretor-geral do Museu Nacional, Alexander Kellner, ainda não conseguiram repassar as perdas exatas do grande incêndio. Segundo eles, bombeiros e funcionários conseguiram resgatar parte das peças antes que o fogo se alastrasse. Porém, a maior parte dos mais de 20 milhões de itens foi destruída.
“Certamente, muitos acervos etnográficos, que são mais vulneráveis ao fogo, botânicos, etc, foram irremediavelmente perdidos”, lamentou Kellner. A instituição é vinculada à universidade que, assim como outras no país, sofre com o corte frequente de verbas. Leher frisou a falta de condições da UFRJ em custear as obras de reconstrução do museu.
Kellner também cobrou do governo federal a responsabilidade em alocar recursos para as obras alegando que “seria uma covardia para com a UFRJ querer que ela resolva todos os problemas, que vêm de muito tempo”. Na noite do domingo (02), o Ministério da Educação divulgou nota afirmando que não medirá esforços na recuperação do museu.
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