O Simbolismo brasileiro

O Simbolismo no Brasil, saiba quais são os autores, os principais escritores, suas obras, características e muito mais, confira neste artigo.

Alma solitária

Ó Alma doce e triste e palpitante!
que cítaras soluçam solitárias
pelas Regiões longínquas, visionárias
do teu Sonho secreto e fascinante!
Quantas zonas de luz purificante,
quantos silêncios, quantas sombras várias
de esferas imortais, imaginárias,
falam contigo, ó Alma cativante!
que chama acende os teus faróis noturnos
e veste os teus mistérios taciturnos
dos esplendores do arco de aliança?
Por que és assim, melancolicamente,
como um arcanjo infante, adolescente,
esquecido nos vales da Esperança?!

O poema que você leu agora é de autoria do poeta Cruz e Sousa, considerado o maior representante da literatura simbolista no Brasil. Nos versos de Alma solitária estão reunidas as principais características de um dos mais importantes movimentos literários de nossas letras, movimento que influenciaria muitos escritores do século XX, entre eles a poeta Cecília Meireles. Surgido no último quarto do século XIX, na França, o Simbolismo representava a reação artística à onda de materialismo e cientificismo que envolvia a Europa desde a metade do século. Seus principais representantes naquele continente foram os poetas Paul Verlaine, Arthur Rimbaud e Sthéphane Mallarmé.

Ao contrário do que acreditavam os escritores realistas, fortemente influenciados pelas correntes cientificistas em voga na Europa do século XIX, os simbolistas apostavam na impossibilidade de retratar a realidade de maneira fidedigna na arte. O homem, sujeito dotado de subjetividade, não conseguiria transportar para as diversas manifestações artísticas o meio tal qual ele é, uma vez que toda arte estaria sujeita às intenções do artista. Assim, os simbolistas representam um grupo social que ficou à margem do cientificismo da segunda metade do século XIX, já que na contramão do materialismo, buscavam resgatar certos valores do Romantismo varridos pelo Realismo.

Ao contrário dos escritores realistas e suas teorias racionalistas, os simbolistas buscaram uma linguagem que fosse capaz de sugerir a realidade. Sugerir é diferente de retratar, por isso o emprego constante dos símbolos, das metáforas, sinestesias, recursos sonoros e cromáticos, elementos utilizados para exprimir o mundo interior, intuitivo e antirracional. Entre as principais características da linguagem simbolista estão:

  • Subjetivismo;
  • Linguagem vaga, fluida, que busca sugerir em vez de nomear;
  • Abundância de metáforas, comparações, aliterações, assonâncias e sinestesias;
  • Cultivo do soneto e de outras formas de composição poéticas;
  • Antimaterialismo, antirracionalismo;
  • Misticismo, religiosidade;
  • Interesse pelas zonas profundas da mente humana e pela loucura;
  • Pessimismo, dor de existir;
  • Interesse pelo noturno, pelo mistério e pela morte;
  • Retomada de elementos da tradição romântica.

Todos esses elementos podem ser encontrados no poema Ismália, do poeta Alphonsus de Guimaraens, outro importante expoente do Simbolismo no Brasil:

Ismália

Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar…
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.

No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar…
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar…

E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar…
Estava longe do céu…
Estava longe do mar…

E como um anjo pendeu
As asas para voar. . .
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar…

As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par…
Sua alma, subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar…

Alphonsus de Guimaraens

No Brasil, o marco introdutório do Simbolismo foi a publicação, em 1893, das obras Missal (prosa) e Broquéis (poesia), ambos do poeta Cruz e Sousa. Nascido no dia 24 de novembro de 1861 na cidade de Florianópolis, estado de Santa Catarina, Cruz e Sousa era filho de escravos, mas ao ser apadrinhado por uma família aristocrática teve seus estudos financiados. Com a morte do protetor, abandonou os estudos e passou a colaborar com a impressa catarinense, assinando crônicas abolicionistas e participando de campanhas em favor da causa negra. Transferiu-se para o Rio de Janeiro no ano de 1890, onde desempenhou várias funções ao mesmo tempo em que dedicava-se à literatura. O poeta faleceu aos 36 anos, vítima de tuberculose, no dia 19 de março de 1898 em Antônio Carlos, município de Minas Gerais.

O reconhecimento da importância da obra de Cruz e Sousa só aconteceria após a morte do escritor, certamente um dos mais injustiçados da literatura brasileira. Quando o sociólogo francês Roger Bastide o colocou entre os maiores poetas do Simbolismo universal a academia finalmente voltou as atenções para o mais importante escritor simbolista do Brasil, dando assim o devido valor a sua pequena, contudo, inestimável obra. Ao lado do português Antero de Quental e do pré-modernista Augusto dos Anjos, Cruz e Sousa apresenta uma das poéticas de maior profundidade em língua portuguesa, sobretudo por conta da investigação filosófica e da angústia metafísica presente nas suas composições.

Cruz e Sousa
Cruz e Sousa

Em vida, as únicas obras publicadas de Cruz e Sousa foram os livros Missal e Broquéis, obras que mostraram a grande diversidade e riqueza de sua literatura: o poeta aliava elementos do Simbolismo, tais quais o pessimismo, a morte, a poesia metafísica; a elementos do Parnasianismo, como a forma lapidar, o gosto pelo soneto, o verbalismo requintado e a força das imagens.

Quando pensamos na literatura simbolista imediatamente fazemos a associação entre essa escola literária e o poeta Cruz e Sousa, contudo, outros nomes também contribuíram para a divulgação dessa estética em nosso país, entre eles os poetas Alphonsus de Guimaraens e Pedro Kilkerry, esse último redescoberto há pouco tempo pela crítica literária. É importante observar que, embora tenha ficado à sombra do Parnasianismo, o Simbolismo abriu caminhos para uma nova literatura e influenciou, com suas tendências irracionalistas, o Modernismo, movimento de vanguarda surgido no início do século XX cujas propostas mudariam drasticamente os rumos da literatura brasileira.

Luana Alves
Graduada em Letras

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