Pinóquio, da Disney, tem origem sombria e perturbadora
História original, escrita no final do século 19, é obra de um autor amargurado e não foi feita apenas para crianças.
A animação ‘Pinóquio’ (1940), produzida pela Disney, é uma das obras mais aclamadas do cinema. Ela segue a história de um boneco de madeira que ganha vida após um desejo feito à Fada Azul.
Esculpido por Gepeto, a quem chama de pai, Pinóquio, com um Grilo Falante (a representação da sua consciência), parte em uma jornada para se tornar um menino de verdade, enfrentando tentações e desafios e aprendendo valiosas lições sobre honestidade e bravura.
A animação, com seu tom leve e encantador, tornou-se um sucesso atemporal, encantando gerações e sendo lembrada até hoje. Porém, o público muitas vezes desconhece que a obra original do italiano Carlo Collodi, publicada em 1883, apresenta uma trama muito diferente, repleta de tons sombrios e inquietantes.
A leveza da Disney é uma reinterpretação, enquanto a versão de Collodi reflete as preocupações sociais e o descontentamento do autor.
A Itália de Collodi, ainda marcada por divisões políticas e pobreza, pode ter moldado o tom moralista e soturno da narrativa original.
Como é a história do Pinóquio original?
Pinóquio e Gepeto na obra original – Imagem: Amazon/reprodução
O ‘Pinocchio’ de Collodi não é o personagem inocente e puro que a Disney retratou. O boneco, desde o início, é descrito como desobediente, egoísta e malicioso na obra ‘As Aventuras de Pinóquio’.
Enquanto a animação foca no desenvolvimento do boneco como um herói infantil, o livro de Collodi apresenta uma história muito mais sombria.
Nela, estão envolvidos todos os personagens que viriam a ser animados décadas depois pela Disney, desde Gepeto, retratado como um carpinteiro extremamente pobre, até a Fada Azul, passando pelo Grilo Falante, a Raposa e o Gato.
Após ganhar vida, o Pinóquio original constantemente ignora os conselhos do Grilo Falante (que, diferentemente da versão Disney, é morto pelo próprio Pinóquio no início da história).
Ele mente, rouba e engana, o que resulta em castigos severos, como ser transformado em um burro e vendido para um circo.
A moral do livro é apresentada de maneira mais direta e, por vezes, cruel. Quando Pinóquio mente, por exemplo, seu nariz cresce, mas não de forma humorística; isso o torna vulnerável e causa grandes problemas.
Outra diferença significativa é o tom punitivo da obra. No livro, Pinóquio sofre duramente pelas suas falhas morais, ao passo que, na animação, as consequências são suavizadas ou resultam em lições aprendidas de forma mais amigável.
Além disso, a história original não envolve tanto a magia e o espírito aventureiro da Disney, sendo mais um conto de advertência para crianças sobre os perigos da desobediência e falta de moralidade.
Collodi, a Itália de sua época e a visão de mundo do autor
Carlo Collodi viveu em uma Itália fragmentada e em transformação. No momento em que escreveu ‘As Aventuras de Pinóquio’, o país enfrentava desafios relacionados à unificação e modernização.
A pobreza, o analfabetismo e as dificuldades sociais eram comuns, e isso se reflete no tom pessimista e moralista de sua obra.
Collodi, que havia participado ativamente de movimentos políticos, traz para sua escrita um senso de desilusão com a humanidade e com o comportamento humano.
No geral, as obras infantis do século XIX, especialmente na Europa, muitas vezes eram carregadas de lições morais rígidas.
De acordo com especialistas, naquela época não havia distinção de classificação indicativa. Todos os materiais eram distribuídos sem diferenciar adultos, crianças ou adolescentes.
Por isso, diferentemente da ideia moderna de literatura infantil voltada para o entretenimento, naquele período, os contos para crianças tinham a função de educar, muitas vezes usando castigos severos para reforçar as consequências de más ações.
A versão de Collodi se alinha a essa tradição, contrastando fortemente com a abordagem lúdica e redentora da Disney. Ao comparar as duas obras, esse distanciamento fica ainda mais nítido.
* Com informações de Aventuras na História.
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