Shifting é a nova moda da Geração Z. O que é isso, afinal?
O fenômeno do shifting, impulsionado pela Geração Z, permite vivenciar realidades imaginárias e ganha força nas redes sociais.
Uma nova tendência da geração Z para viver em realidades paralelas emerge e traz muitos questionamentos. Você certamente se lembra do filme A Origem (2010), em que Dom Cobb, interpretado por Leonardo DiCaprio, mergulha no subconsciente dos outros para implantar ideias enquanto manipula sonhos?
Assim como Cobb, a geração Z encontrou uma maneira de escapar para realidades paralelas, mas sem a necessidade de uma equipe sofisticada ou de dispositivos de alta tecnologia. Tudo o que eles precisam é de técnicas mentais e da força da imaginação. O nome dessa prática é shifting.
Nas plataformas digitais, especialmente no TikTok, o shifting virou febre entre jovens que buscam viver em universos fictícios ou personalizar novas realidades.
Através de técnicas de meditação, visualização e hipnose, esses jovens acreditam ser capazes de ‘shiftar‘ (palavra aportuguesada – vem do inglês ‘shift‘, que significa mudança, troca, deslocação) para uma nova dimensão, onde podem experimentar o que quiserem.
Hogwarts, por exemplo, é um destino popular entre os praticantes dessa nova tendência. Mas o que há de real nessa prática que atrai tantos adolescentes?
O que é shifting, afinal?
O shifting, ou mudança de realidade, ganhou popularidade no TikTok, onde a hashtag #shifttok reúne milhões de visualizações.
Mas o que é exatamente essa técnica? Para os praticantes, trata-se de uma forma de transportar sua mente para uma realidade alternativa, que pode ser tanto um universo de filmes e séries quanto um cenário imaginado por eles mesmos.
Em sua essência, o shifting não é apenas um sonho lúcido, mas uma experiência imersiva onde o praticante pode sentir, tocar e interagir com os elementos da sua nova realidade.
Através de práticas como meditação guiada e relaxamento profundo, o objetivo é acessar um estado mental elevado, conhecido como desired reality (DR), onde tudo se torna possível.
Para isso, muitos utilizam scripts, ou roteiros, detalhando as situações e personagens que encontrarão em suas DRs.
Como funciona o shifting?
O processo de shiftar pode parecer simples, mas exige prática. Os adeptos seguem uma rotina de relaxamento profundo, na qual combinam meditação e visualização.
Alguns usam contagem regressiva, outros seguem áudios subliminares para induzir um estado de concentração extrema. A ideia é deslocar a consciência da current reality (CR), ou realidade atual, para a desired reality (DR), um mundo completamente moldado por suas expectativas.
Sarah*, uma praticante de 18 anos, explica como funciona sua técnica:
“Eu escrevo um roteiro detalhado antes de dormir. Escolho o cenário, as pessoas que quero encontrar e o que quero viver. No meu caso, minha DR é o universo de The Walking Dead. Escrevo sobre as aventuras que quero ter lá e, quando adormeço, sinto como se realmente estivesse naquele mundo, até interagindo com os personagens.”
Essa experiência pode variar de pessoa para pessoa. Muitos relatam sensações intensas, como calor no corpo, sensação de flutuar e até mesmo ver números repetidos no mundo real, o que interpretam como sinais de que estão prestes a shiftar.
O fenômeno no TikTok
A explosão do shifting aconteceu durante a pandemia de 2020, quando o isolamento forçado fez com que muitos adolescentes buscassem formas de escapar da monotonia da vida cotidiana.
Universos como Harry Potter e The Walking Dead tornaram-se destinos populares entre os shifters. O personagem Draco Malfoy, por exemplo, virou o ‘crush’ de muitos praticantes, que criam fantasias detalhadas sobre encontros românticos com ele em Hogwarts.
No TikTok, os vídeos sobre shifting alcançam milhões de visualizações. Jovens compartilham suas experiências, discutem métodos e até oferecem guias para iniciantes. A comunidade é engajada e, para muitos, shiftar se tornou uma maneira de enfrentar o tédio e o estresse do confinamento.
Críticas e desafios dessa fuga da realidade
Apesar de sua crescente popularidade, o shifting também enfrenta críticas. Muitos o consideram uma forma de escapismo excessivo, na qual jovens evitam lidar com a vida real e suas responsabilidades.
A psicóloga Fernanda Calvetti observa que, embora a prática não seja necessariamente prejudicial, pode tornar-se problemática quando as pessoas começam a preferir suas realidades fictícias à sua vida real.
Calvetti explica:
“Para muitos, shiftar é um alívio temporário das pressões do mundo real, mas se tornar dependente dessa fuga pode trazer consequências emocionais a longo prazo. O equilíbrio é fundamental.”
Outros especialistas sugerem que aqueles com vulnerabilidades emocionais evitem a prática, para não criar uma desconexão perigosa com sua realidade.
Para muitos jovens, o shifting é mais do que apenas uma fuga temporária — é uma forma de autodescoberta. Luiza*, de 22 anos, vê a prática como uma oportunidade de se reconectar com o eu interior. Ela afirma:
“Não é só sobre escapar. Ao entrar em minha DR, sinto que ganho clareza sobre o que quero para minha vida real. Isso me ajuda a tomar decisões mais conscientes.”
No entanto, como em qualquer fenômeno emergente, é necessário ter cautela. O shifting pode ser uma ferramenta poderosa de exploração mental, mas também carrega riscos emocionais.
A Geração Z, conhecida por sua conexão com o mundo digital e abertura a novas formas de autoexpressão, encontrou no shifting uma maneira de transcender suas experiências diárias. Se será uma prática passageira ou algo mais profundo, só o tempo dirá.
*Os nomes foram alterados para proteger as identidades/Com informações de Estadão e Folha de São Paulo.
Comentários estão fechados.