Teatro na Educação Infantil: a importância de ousar para se descobrir

Por meio do uso de diferentes linguagens, crianças podem acessar cinco campos de experiência

Ferramenta que potencializa a aprendizagem e o desenvolvimento integral das crianças, a atividade artística está no centro dos debates por um novo olhar multiforme do ato de ensinar. Tal conceito libertário pode ser experimentado quando a sala de aula ou mesmo o pátio da escola se transforma em palco, onde a criança tem a licença implícita de ser o que quiser: um animal, uma planta, um ser encantado ou inanimado, que ganha vida e incorpora um novo personagem. Aqui, o que importa é se permitir a experiência, rumo ao autoconhecimento e maturidade.

Essa seria, em poucas linhas, a missão e o papel fundamental a ser desempenhado pelo teatro na Educação Infantil, atividade que se caracteriza pelo envolvimento de diferentes tipos de linguagens e a pluralidade de ações, pela qual são mobilizados cinco campos de experiência, já incorporados na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para a etapa.

“Na construção teatral, as crianças criam formas diversificadas de expressão de sentimentos, sensações e emoções. Elas brincam com os movimentos, gestos e encenações e se comunicam em todas as linguagens possíveis”, observa a professora Maria de Lourdes Carvalho Pereira, integrante do Time de Autores da NOVA ESCOLA e autora de planos de atividade que exploram o teatro na Educação Infantil. “É uma ferramenta que propicia a interconexão perfeita entre as aprendizagens mais importantes da primeira infância”, acrescenta.

Diferentemente do quadro formal apresentado pela escola tradicional, o teatro é a oportunidade para que as crianças ingressem espontaneamente no mundo do ‘faz de conta’, onde há espaço para que estas criem uma ‘estética própria’, seja na literatura ou nas artes, de modo geral. Nesse contexto, os ‘pequenos’ são ‘convidados’ a participar de brincadeira movidas pela imaginação, imersas no universo da ficção, que estimula a comunicação via oralidade, como falar e ouvir.

“Quando pequena, a criança vive mergulhada no mundo da fantasia, que somente elas possuem. Por meio das situações dramáticas e teatrais, as crianças podem aprender a se conhecer, a revelar e aprimorar múltiplas formas de expressão, a ampliar o repertório cultural e a manifestar a criatividade e a imaginação”, salienta Maria de Lourdes.

Já o pedagogo e professor de teatro na escola Casa Redonda, em Carapicuíba (SP), Matheus Tchô Salgado, enfatiza que o ‘teatro é tão importante para as crianças quanto elas o são para o teatro’. Segundo ele, “as crianças são muito espontâneas e têm uma presença que a gente busca no teatro, de reagir àquilo que acontece. Elas querem falar das coisas que sentem e pensam e trazem isso, que é matéria importante dentro do teatro, de maneira muito viva. [O teatro] é o corpo da presença, da verdade, do faz de conta, do imaginar”, define.

Para Matheus, “partindo de uma história, uma leitura ou brincadeira, caso a proposta esteja   conectada com a força do teatro, que é movida pelo encontro e por uma troca verdadeira, ela já estará transformando a Educação”, assinala, acrescentando que a Educação Infantil marca “o momento em que as crianças estão se relacionando pela primeira vez com muitas coisas”.

Conheça os principais objetivos e exemplos na BNCC, de cada um dos cinco campos

  1. O eu, o outro e o nós

Destaca experiências relacionadas à construção da identidade e da subjetividade, as aprendizagens e conquistas de desenvolvimento relacionadas à ampliação das experiências de conhecimento de si mesmo e à construção de relações, que devem ser, na medida do possível, permeadas por interações positivas, apoiadas em vínculos profundos e estáveis com os professores e os colegas. O Campo também ressalta o desenvolvimento do sentimento de pertencimento a determinado grupo, o respeito e o valor atribuído às diferentes tradições culturais.

Exemplo: Demonstrar imagem positiva de si e confiança em sua capacidade para enfrentar dificuldades e desafios.

  1. Corpo, gestos e movimentos

Coloca ênfase nas experiências das crianças em situações de brincadeiras, nas quais exploram o espaço com o corpo e as diferentes formas de movimentos. A partir daí, elas constroem referenciais que as orientam em relação a aproximar-se ou distanciar-se de determinados pontos, por exemplo. O Campo também valoriza as brincadeiras de faz de conta, nas quais as crianças podem representar o cotidiano ou o mundo da fantasia, interagindo com as narrativas literárias ou teatrais. Traz, ainda, a importância de que as crianças vivam experiências com as diferentes linguagens, como a dança e a música, ressaltando seu valor nas diferentes culturas, ampliando as possibilidades expressivas do corpo e valorizando os enredos e movimentos criados na oportunidade de encenar situações fantasiosas ou narrativas e rituais conhecidos.

Exemplo: Deslocar seu corpo no espaço, orientando-se por noções como em frente, atrás, no alto, embaixo, dentro, fora etc., ao se envolver em brincadeiras e atividades de diferentes naturezas.

  1. Traços, sons, cores e formas

Ressalta as experiências das crianças com as diferentes manifestações artísticas, culturais e científicas, incluindo o contato com a linguagem musical e as linguagens visuais, com foco estético e crítico. Enfatiza as experiências de escuta ativa, mas também de criação musical, com destaque nas experiências corporais provocadas pela intensidade dos sons e pelo ritmo das melodias. Valoriza a ampliação do repertório musical, o desenvolvimento de preferências, a exploração de diferentes objetos sonoros ou instrumentos musicais, a identificação da qualidade do som, bem como as apresentações e/ou improvisações musicais e festas populares. Ao mesmo tempo, foca as experiências que promovam a sensibilidade investigativa no campo visual, valorizando a atividade produtiva das crianças, nas diferentes situações de que participam, envolvendo desenho, pintura, escultura, modelagem, colagem, gravura, fotografia etc.

Exemplo: Explorar sons produzidos com o próprio corpo e com objetos do ambiente.

  1. Escuta, fala, pensamento e imaginação

Realça as experiências com a linguagem oral que ampliam as diversas formas sociais de comunicação presentes na cultura humana, como as conversas, cantigas, brincadeiras de roda, jogos cantados etc. Dá destaque, também, às experiências com a leitura de histórias que favoreçam aprendizagens relacionadas à leitura, ao comportamento leitor, à imaginação e à representação e, ainda, à linguagem escrita, convidando a criança a conhecer os detalhes do texto e das imagens e a ter contato com os personagens, a perceber no seu corpo as emoções geradas pela história, a imaginar cenários, construir novos desfechos etc. O Campo compreende as experiências com as práticas cotidianas de uso da escrita, sempre em contextos significativos e plenos de significados, promovendo imitação de atos escritos em situações de faz de conta, bem como situações em que as crianças se arriscam a ler e a escrever de forma espontânea, apoiadas pelo professor, que as engajam em reflexões que organizam suas ideias sobre o sistema de escrita.

Exemplo: Produzir suas próprias histórias orais e escritas (escrita espontânea), em situações com função social significativa.

  1. Espaço, tempo, quantidades, relações e transformações

A ênfase está nas experiências que favorecem a construção de noções espaciais relativas a uma situação estática (como a noção de longe e perto) ou a uma situação dinâmica (para frente, para trás), potencializando a organização do esquema corporal e a percepção espacial, a partir da exploração do corpo e dos objetos no espaço. O Campo também destaca as experiências em relação ao tempo, favorecendo a construção das noções de tempo físico (dia e noite, estações do ano, ritmos biológicos) e cronológico (ontem, hoje, amanhã, semana, mês e ano), as noções de ordem temporal (“Meu irmão nasceu antes de mim”, “Vou visitar meu avô depois da escola”) e histórica (“No tempo antigo”, “Quando mudamos para nossa casa”, “Na época do Natal”). Envolve experiências em relação à medida, favorecendo a ideia de que, por meio de situações-problemas em contextos lúdicos, as crianças possam ampliar, aprofundar e construir novos conhecimentos sobre medidas de objetos, de pessoas e de espaços, compreender procedimentos de contagem, aprender a adicionar ou subtrair quantidades aproximando-se das noções de números e conhecendo a sequência numérica verbal e escrita. A ideia é de que as crianças entendam que os números são recursos para representar quantidades e aprender a contar objetos usando a correspondência “um-a-um”, comparando quantidade de grupos de objetos utilizando relações como mais que, menos que, maior que e menor que. O campo ressalta, ainda, as experiências de relações e transformações favorecendo a construção de conhecimentos e valores das crianças sobre os diferentes modos de viver de pessoas em tempos passados ou em outras culturas. Da mesma forma, é importante favorecer a construção de noções relacionadas à transformação de materiais, objetos, e situações que aproximem as crianças da ideia de causalidade.

Exemplo: Manipular materiais diversos e variados para comparar as diferenças e semelhanças entre eles.

7 dicas para trabalhar o teatro na Educação Infantil

  • Escute as crianças.

Para Matheus, um dos fundamentos básicos do teatro é a escuta. “Se o professor escuta verdadeiramente as crianças e se permite experimentar como elas fazem, ele já estará trabalhando o teatro com as crianças. Para mim, é chave: escutem as crianças e se escutem nessa relação verdadeira com elas”.

  • Esteja presente.

“Teatro também é presença”, destaca o educador. “É tempo de qualidade, de espaço, e é o jogo com o corpo”. Por isso, para ele, a presença é outro fator primordial na hora de realizar as atividades teatrais. “Brinque, se divirta, sinta prazer. Assim, você estará presente.”

  • Saiba o que elas preferem.

Ao planejar uma peça teatral, considere como tema, por exemplo, o assunto ou livro infantil que seja de preferência da turma. “As crianças se envolvem facilmente quando a proposta ofertada faz parte de um interesse comum”, afirma Maria de Lourdes.

  • Planeje a atividade com antecedência.

Organize combinados e decisões coletivas. Converse com todas as crianças para definirem juntos quem serão os personagens e quem cuidará do cenário, das roupas e fantasias, do som e da sonoplastia.

  • Dê autonomia às crianças.

Após cada estudante escolher onde quer estar, pequenos grupos de trabalho se formam e a ação infantil acontece com autonomia, descentralizada do educador, que poderá fluir de um grupo para outro dando assessoria.

  • Monte um acervo de figurinos com as famílias.

Muitas escolas não têm condições de ter figurinos. Por isso, uma alternativa é pedir ajuda das famílias para montar um acervo com roupas e acessórios de adultos, naturalmente apreciados pelas crianças. Depois disso, crie um espaço onde elas possam se vestir e se transformar em personagens, no dia a dia das atividades.

  • Observe no entorno materiais que podem ser utilizados.

No fazer teatral, qualquer coisa pode ser parte do faz de conta. Por isso, observe ao redor da escola materiais que podem ser usados nesses momentos. Galhos, folhas secas e pedrinhas são alguns exemplos. O professor pode pedir para as crianças trazerem de casa ou convidá-las para uma coleta no entorno.

Com informações do site Nova Escola

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