A descrição
A descrição, um entre os cinco tipos textuais (narração, dissertação, exposição e injunção/prescrição) pode ser objetiva, subjetiva e técnica. É o retrato de pessoas, objetos ou cenas, nos quais podemos encontrar a linguagem verbal e a linguagem não-verbal.
Retrato
Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.
Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração que nem se mostra.
Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
– Em que espelho ficou perdida
a minha face?
O poema que você leu agora é de autoria de Cecília Meireles, um dos principais nomes da poesia brasileira do século XX. Em seu poema intitulado “Retrato”, a poeta nos brinda com um exemplo de descrição, um dos cinco tipos textuais. O poema descritivo que você acabou de conhecer produz o retrato do eu lírico. Os adjetivos nele citados revelam estados interiores, e por meio da conotação, o poema aproveita o sentido renovado das palavras, o que privilegia a emoção, permitindo assim que o leitor perceba o processo de mudança íntima do eu poético.
Já que estamos falando sobre esse tipo de texto, que tal conhecê-lo melhor? Pensando nisso, o site Escola Educação traz agora para você uma explicação completa sobre a arte de descrever. Boa leitura e bons estudos!
Como você já deve ter visto, na narração ocorre uma sequência de fatos que se desenrolam no tempo de tal maneira que as personagens vão sofrendo transformações à medida que os acontecimentos se sucedem. Na descrição isso não acontece, pois nela não há sucessão de acontecimentos no tempo, desta maneira, não há também transformações de estado da pessoa, coisa ou ambiente que está sendo descrito; o que há é uma apresentação do estado do ser descrito em um determinado momento.
Podemos dizer então que a descrição é um retrato de pessoas, objetos ou cenas. Esse retrato pode ser feito por meio da linguagem não-verbal, tal qual nas fotografias, pinturas e gravuras, ou da linguagem verbal (oral ou escrita).
“(…) Quis insistir que nada, mas não achei língua. Todo eu era olhos e coração, um coração que desta vez ia sair, com certeza, pela boca fora. Não podia tirar os olhos daquela criatura de quatorze anos, alta, forte e cheia, apertada em um vestido de chita, meio desbotado. Os cabelos grossos, feitos em duas tranças, com as pontas atadas uma à outra, à moda do tempo, desciam-lhe pelas costas. Morena, olhos claros e grandes, nariz reto e comprido, tinha a boca fina e o queixo largo. As mãos, a despeito de alguns ofícios rudes, eram curadas com amor; não cheiravam a sabões finos nem águas de toucador, mas com água do poço e sabão comum trazia-as sem mácula. Calçava sapatos de duraque, rasos e velhos, a que ela mesma dera alguns pontos (…)”.
(Dom Casmurro, Machado de Assis)
“(…) Ela não era feia; amorenada, com os seus traços acanhados, o narizinho mal feito, mas galante, não muito baixa nem muito magra e a sua aparência de bondade passiva, de indolência de corpo, de idéia e de sentidos — era até um bom tipo das meninas a que os namorados chamam — “bonitinhas”. O seu traço de beleza dominante, porém, eram seus cabelos: uns bastos cabelos castanhos, com tons de ouro, sedosos até ao olhar (…)”.
(Triste fim de Policarpo Quaresma, Lima Barreto)
É importante observar que o emprego de uma das linguagens citadas acima não exclui a possibilidade de uso da outra, uma vez que a linguagem verbal pode ser utilizada para complementar a linguagem não-verbal, como acontece, por exemplo, em anúncios que vendem um produto e trazem também uma legenda para explicar suas utilidades. Observe o exemplo:
Podemos compreender a descrição como um tipo de texto em que, por meio da enumeração de detalhes e da relação de informações, dados e características, vai-se construindo a imagem verbal daquilo que se pretende descrever. Vale lembrar que dificilmente você encontrará textos exclusivamente descritivos, haja vista que é mais comum encontrarmos trechos descritivos inseridos em textos narrativos ou dissertativos, tal qual aconteceu nos trechos dos romances de Machado de Assis e Lima Barreto, ambos transcritos anteriormente.
Descrição objetiva e descrição subjetiva
Leia o trecho do romance naturalista O cortiço, de Aluísio Azevedo:
“(…) Rita havia parado em meio do pátio.
Cercavam-na, homens, mulheres e crianças; todos queriam novas dela. Não vinha em trajo de domingo; trazia casaquinho branco; uma saia que lhe deixava ver o pé sem meia num chinelo de polimento com enfeites de marroquim de diversas cores. No seu farto cabelo crespo e reluzente, puxado sobre a nuca, havia um molho de manjericão e um pedaço de baunilha espetado por um gancho. E toda ela respirava o asseio das brasileiras e um odor sensual de trevos e plantas aromáticas. Irrequieta, saracoteando o atrevido e rijo quadril baiano, respondia para a direita e para a esquerda, pondo a mostra um fio de dentes claros e brilhantes que enriqueciam sua fisionomia com realce fascinador (…)”.
AZEVEDO, ALUÍSIO. O Cortiço. Ed. São Paulo. 1975.
Embora o trecho acima também faça a descrição de uma personagem feminina, podemos observar que existem diferenças significativas entre essa descrição e a descrição da personagem Capitu, feita por Machado de Assis na obra Dom Casmurro. Ao contrário de Machado de Assis, Aluísio Azevedo não mostra uma imagem vaga e imprecisa; procura transmitir uma imagem concreta e definida da personagem que descreve, destacando com nitidez os detalhes que a caracterizam, inclusive os olfativos.
É importante observar que o escritor empregou, além de substantivos e adjetivos, verbos para descrever a personagem, conferindo assim um caráter dinâmico à descrição. Desta forma, podemos afirmar que a descrição de Rita Baiana é um exemplo de descrição objetiva, ainda que o autor faça interferências por meio de elementos da subjetividade, como no trecho “E toda ela respirava o asseio das brasileiras e um odor sensual de trevos e plantas aromáticas. Irrequieta, saracoteando o atrevido e rijo quadril baiano”. Isso acontece porque uma descrição dificilmente será absolutamente objetiva, haja vista que sempre haverá alguma interferência do autor em relação àquilo que está sendo descrito.
A descrição subjetiva vai além do simples retrato (vide o trecho do livro Dom Casmurro), pois transmite ao leitor uma visão pessoal ou uma interpretação do autor acerca daquilo que descreve, revelando assim uma imagem singular, original e criativa. O objeto descrito é transfigurado conforme a sensibilidade do observador, isto é, é descrito da forma como ele é visto e sentido, não havendo, portanto, preocupação com a exatidão dos detalhes, já que o importante é transmitir a impressão que o objeto causa ao observador.
Descrição técnica
A descrição técnica tem como objetivo transmitir a imagem do objeto por meio de uma linguagem técnica, utilizando assim um vocabulário preciso, normalmente ligado a uma área da ciência. Ela pode ser encontrada na descrição de peças e aparelhos, em experiências e fenômenos, no funcionamento de mecanismos, na redação de manuais de instruções bem como em artigos científicos. Veja o exemplo:
“(…) Sabe-se que, ao mudar o meio em que a luz se propaga, alteram-se também o comprimento de onda e a propagação. Tendo como referência as características apresentadas pela luz no vácuo, o parâmetro chamado “índice de refração” mede essas alterações e permite ainda caracterizar a absorção de luz pelo material. No entanto, com a descoberta do laser, tornou-se possível constatar que esse índice não é propriedade invariável dos materiais, pois depende também da intensidade da luz incidente.
Recentemente se tornaram conhecidos novos materiais que apresentam uma variação apreciável do índice de refração mesmo para campos luminosos pouco intensos. Essas descobertas apresentam grande variedade de aplicações, seja na amplificação de imagens ópticas, no reconhecimento de formas (usados na robótica), etc (…)”.
“Hologramas Dinâmicos e Espelhos Conjugados” – Revista “Ciência Hoje”, no. 22, pg. 16.
Na descrição técnica deve prevalecer a clareza e a precisão para que uma comunicação eficaz seja alcançada. É preciso ser objetivo e convincente, evitando assim interpretações variadas. Por isso, nesses textos, a linguagem deve ser denotativa.
Luana Alves
Graduada em Letras
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