Guerra de Canudos
Os primeiros anos da República no Brasil seriam marcados pelo conflito conhecido como Guerra de Canudos (1896-1897). O movimento liderado por Antônio Conselheiro foi motivado pela grive crise socioeconômica enfrenta pela população do sertão brasileiro.
O período imperial no Brasil iniciou em 1822 e chegou ao fim em 1889, os acontecimentos ocorridos em seus últimos anos seriam fundamentais para a sua extinção. A Guerra do Paraguai e a abolição da escravatura associados à insatisfação popular são alguns fatores que levariam a derrubada de D. Pedro II.
Apesar de a população estar insatisfeita com a situação social e política do país, o processo de passagem do império para a república não contou efetivamente com a participação popular, o golpe que daria fim ao regime monárquico seria liderado pelos militares. Em 15 de novembro de 1889 o Marechal Deodoro Da Fonseca assumiria a presidência da república recém-criada.
A mudança do regime político no país não representaria uma mudança significativa para a vida da maior parte dos brasileiros. O povo continuaria padecendo devido a grande desigualdade social, o governo parecia não se preocupar com a situação de abandono em que vivia a população, principalmente aqueles que habitavam as regiões mais afastadas da capital federal. Fome, desemprego, seca e a falta de esperança seriam o combustível para o início de um dos maiores conflitos populares da nossa História, a Guerra de Canudos.
O Nordeste brasileiro seria o palco de um dos maiores movimentos de resistência popular da história brasileira. A Guerra de Canudos contou com a participação de um povo sofrido cansado do descaso e da situação de miséria que não foi alterada com a proclamação da república. Esse cenário de pobreza e abandono era agravado pela falta de chuva que matava o gado de sede e impedia o sertanejo de ver a sua plantação prosperar.
Milhares de pessoas morriam de fome e sede todos os anos no nordeste. Sem ter a quem recorrer, os nordestinos acabavam buscando trabalho nas fazendas dos coronéis da região. Os coronéis eram os grandes latifundiários que aglomeravam em suas terras um enorme contingente de empregados sujeitos a péssimas condições de trabalho, o que aumentava ainda mais o drama dessa população.
Nesse contexto, uma característica importante do povo brasileiro é a religiosidade. Se não era possível contar com o auxílio do governo para sair da situação de miséria a alternativa era buscar consolo na fé. Assim, os movimentos religiosos liderados por homens conhecidos como beatos ou conselheiros vão ganhando força. A fé se tornaria um instrumento de luta contra a miséria e a injustiça social. Esses movimentos seriam condenados pelo setor conservador da Igreja Católica. Em 1893 Antônio Conselheiro daria início no sertão da Bahia a um desses movimentos messiânicos.
Quem foi Antônio Conselheiro?
Antônio Vicente Mendes Maciel, conhecido como “Antônio Conselheiro” foi um beato, líder religioso e social brasileiro. Nasceu em Quixeramobim (Ceará) em 13 de março de 1830 e faleceu em Canudos (Bahia) em 22 de setembro de 1897. Após ser abandonado por sua esposa, passou a perambular pelo sertão brasileiro pregando mensagens de fé, esperança e justiça social.
Suas andanças duraram mais de vinte anos e serviram para que ele percebesse a situação de extrema miséria e carência em que vivia o nordestino. Aqueles que ouviam as pregações de Antônio Conselheiro o consideram como um santo ou messias, alguém enviado por Deus para modificar sua dura realidade.
Em meio as suas pregações, Conselheiro afirmava que o fim do mundo estaria próximo e que a República seria a representação do anticristo. Por onde passava ele também realizava benfeitorias, construiu cemitérios, capelas e igrejas em muitos povoados.
Ganhou o respeito e simpatia daquela população sofrida, muitos o considerava um santo e até chegaram a atribuí-lo a realização de milagres. As autoridades locais e a igreja começaram a se incomodar com a influência exercida por Conselheiro, principalmente quando ele resolveu iniciar a construção de uma comunidade igualitária nos últimos anos do século XX: a comunidade de Belo Monte.
Ele ali subia e pregava. Era assombroso, afirmam testemunhas existentes. Uma oratória bárbara e arrepiadora, feita de excertos truncados das Horas Marianas, desconexa, abstrusa, agravada, às vezes, pela ousadia extrema das citações latinas; transcorrendo em frases sacudidas; misto inextrincável e confuso de conselhos dogmáticos, preceitos vulgares da moral cristã e de profecias esdrúxulas.
(No trecho acima, retirado do livro Os Sertões, o escritor Euclides da Cunha caracteriza a figura de Antônio Conselheiro).
O início do conflito
As pregações do beato Conselheiro ajuntaram uma multidão a sua volta, com suas mensagens baseadas em um cristianismo puro e desapegado de ostentações, o religioso reacendia as esperanças da população sertaneja e os encorajava a lutar contra a opressão empreendida seja pelas autoridades políticas ou pelos coronéis.
Em 1893 Antônio Conselheiro deu início à construção de uma comunidade na região do município baiano de Canudos, centenas de pessoas o acompanharam nessa empreitada, muitos motivados pela ideia de poderem trabalhar e viver livremente sem ter um fazendeiro explorando sua mão de obra. A comunidade cresceu rapidamente, foi rebatizada de Belo Monte e se tornou uma das maiores cidades do nordeste, cerca de 25.000 pessoas viviam por ali. A população de Belo Monte era formada também por índios e ex-escravos.
À medida que a comunidade construída por Conselheiro crescia, aumentava também a preocupação das autoridades. A igreja, os coronéis e o governo o viam como um louco, um herege e desordeiro, era hora de por fim a sua liderança, antes que o seu exemplo tomasse proporções nacionais e influenciasse outros movimentos.
O movimento militar contou com a participação de milhares de soldados, a ofensiva do governo contra o arraial foi um dos episódios brasileiros que envolveram um dos maiores contingentes militares, só perdeu para o número de soldados enviados para lutar na Segunda Guerra Mundial ao lado da frente aliada.
Belo Monte recebia cada vez mais trabalhadores deslocados das fazendas locais e fieis em busca da salvação prometida por Conselheiro, isso fazia com que aumentasse o descontentamento dos coronéis e da igreja que acabavam por pressionar o governo a fim de que tomasse uma atitude contra o crescimento de Canudos. Assim em 1896 os confrontos entre o governo e a população liderada pelo beato iniciam-se com o envio da primeira expedição.
Um carregamento de madeira que seria destinado à construção de uma igreja e que não foi entregue, seria o estopim para o primeiro conflito. Prevendo as dificuldades que estariam por vir, os habitantes do arraial se organizam em um exército popular. Apesar da insuficiência de armas, os sertanejos conseguem vencer as três primeiras expedições.
Destruição de Canudos e morte de Conselheiro
Em 1897, os militares cercam Canudos, os sertanejos estavam acuados. Sem comida, sem armas, sem remédios a população começou a sucumbir. Já não bastavam aos revoltosos os conhecimentos estratégicos da região que antes lhe havia proporcionado vantagem, o Estado estava disposto a destruir de vez o arraial e o que ele representava politicamente. A ordem era matar todos, inclusive mulheres e crianças, destruir as casas e eliminar o líder Antônio Conselheiro.
Em setembro de 1897 Conselheiro foi morto, o arraial foi totalmente devastado. Mulheres, crianças, idosos, trabalhadores em busca de uma vida melhor foram todos mortos. Apesar de não terem aspirações políticas, os sertanejos foram acusados de tentar desestabilizar o governo republicano.
O sonho de viver em uma sociedade igualitária e justa chegaria ao fim em outubro daquele mesmo ano. A Guerra de Canudos entraria para a História como um dos conflitos mais cruéis já ocorridos na república brasileira.
Lorena Castro Alves
Graduada em História e Pedagogia
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