No início de 2018, o concurso para diplomatas do Instituto Rio Branco realizado no ano anterior passou por uma polêmica relacionada a candidatos cotistas. Em ação julgada em janeiro, o Ministério Público Federal (MPF) pediu a suspensão da posse de quatro candidatos aprovados como cotistas por fatores de ancestralidade.
Na ação julgada pela 22ª Vara Federal de Brasília, consta que a participação como cotistas pelo critério mencionado foi aceita de forma irregular pela Comissão de Verificação de Cotas e pelo Instituto Rio Branco. De acordo com a procuradora da República, Anna Carolina Garcia, a definição de negro se dá pelo fenótipo, ou seja, pela aparência.
Ao fim da ação, quatro participantes foram eliminados por não atenderem aos requisitos exigidos. Toda a demanda foi apoiada pela Lei 12.990/2014, mais conhecida por Lei das Cotas. Mesmo promulgada há tanto tempo, ainda restam dúvidas sobre a aplicabilidade do texto em seleções públicas.
Diante de situações como a do concurso para diplomata, as perguntas mais frequentes se relacionam aos sistemas de verificação e, por eles, quem é considerado negro. Confira, a seguir, o que diz o texto da Lei das Cotas, o que acontece em casos de fraude, além do funcionamento das chamadas comissões de verificação.
O texto da Lei das Cotas
O texto deve ser aplicado por autarquias, administração pública direta e indireta, agências reguladoras, empresas públicas, fundações e sociedades de economia mista controladas pela União. Ficam excluídos, então, concursos regionais. Nesse sentido, podem concorrer às vagas reservadas aqueles que se autodeclararem pretos ou pardos no ato da inscrição.
Porém, a autodeclaração deve observar os critérios estabelecidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em suma, o IBGE considera como pardo o pertencente a um dos cinco grupos que compõem a população brasileira (pardos, negros, brancos, amarelos e indígenas). O estudo completo encontra-se detalhado aqui.
E se o candidato quiser concorrer às vagas para ampla concorrência? Será permitido desde que, se aprovado, seu nome não conste como computado nas vagas reservadas. Os candidatos devem autodeclarar-se negros no ato da inscrição. O edital deve trazer o fato de haver, ou não, etapas de verificação conduzidas por uma comissão.
O grupo de trabalho será estabelecido para este fim, de preferência, considerando a diversidade de naturalidade, gênero e raça, além da possibilidade de inserção nas ações afirmativas. As regras da investigação social que checam os dados e informações devem, também, vir explícitas no regulamento.
Habitualmente, a declaração considera o fenótipo, ou seja, a aparência do candidato. No entanto, como será visto adiante, as regras podem ser estabelecidas por cada comissão e podem incluir análise documental, por exemplo.
Comissões verificadoras
As comissões verificadoras foram instituídas para evitar casos em que candidatos brancos utilizem meios fraudulentos para concorrer às vagas reservadas. A criação desses grupos acende debates entre membros do movimento negro ao mencionar uma possível subjetividade na análise dos participantes.
Alguns especialistas são contra a política das comissões pelo risco de uso de critérios políticos e arbitrários. Tal prática poderia colocar em risco a credibilidade do próprio sistema de cotas, colocando a perder toda uma luta em prol da implantação de políticas afirmativas. Por isso, muitos defendem o critério de autodeclaração como mandatório.
No entanto, boa parte dos integrantes do movimento é a favor das comissões, justamente, pela existência das fraudes. Aliás, especialistas apontam diversas formas de atuação desses grupos de trabalho a fim de estabelecer métodos de verificação mais justos com os candidatos.
Em entrevista a um site especializado, Frei David Santos, diretor na ONG Educafro, comenta que as comissões que avaliam os candidatos pelo fenótipo usam o “método da polícia”. O que isso significa? Que consideram o racismo enfrentado por essas pessoas onde quer que vão, principalmente, na premissa da desconfiança aplicada por autoridades.
Frei David defende o trabalho das comissões e esclarece que, nas verificações, deve ser priorizada a questão da pele e não, apenas, o genótipo. “A prioridade deve ser atender sempre os que têm a pele mais escura que são os que mais sofrem preconceito”, analisa o diretor que, inclusive, já se manifestou em casos como o concurso para Diplomata.
Em entrevista ao mesmo site, o professor da ECA-USP, Dennis Oliveira, defende formas de trabalho mais abrangentes pelas comissões. A alternativa citada por ele inclui, além da verificação do fenótipo, a documental. “O conceito de pardo é muito amplo mas, se estiver escrito na certidão de nascimento […], não tem como recusar um documento oficial”.
Quanto às fraudes, Dennis é mais um ao usá-las para defender a existência das comissões. “Já presenciei casos de pessoas brancas que fizeram bronzeamento artificial”, lembra ele. Certo mas, qual é o trabalho exercido por uma comissão verificadora? Em 2016, o Ministério do Planejamento publicou orientação sobre as regras de aferição.
Segundo a Pasta, cada edital deve trazer os métodos de verificação aplicados naquele certame, além de indicar como a comissão é composta e em que momentos do processo ela atuará. Porém, cada organização segue livre para estruturar o processo avaliativo. E aí, como o grupo pode atuar de maneira justa?
O primeiro passo para estabelecer critérios mais justos é analisar o contexto social de cada região. Isso porque cada estado, cidade ou universidade traz sua própria realidade, o que deve ser levado em conta no momento da verificação. É importante lembrar, ainda, que o trabalho da comissão não se restringe à verificação.
O grupo acompanha, ainda, como é o ingresso e a permanência dos estudantes cotistas nas universidades tendo em vista o ambiente excludente, muitas vezes, perpetuado pela academia. Daí, outro motivo para considerar o contexto social no qual cada instituição está inserida.
Fraudes
Infelizmente, atitudes fraudulentas e de má fé são, ainda, registradas em seleções públicas no que toca ao uso da lei. Além dos casos flagrados pela própria comissão, há situações de denúncias impetradas por cidadãos que, posteriormente, são checadas pelo Ministério Público. Caso a fraude seja comprovada, o candidato pode ser eliminado do concurso.
Se já tiver tomado posse de seu cargo, pode ter a nomeação anulada por meio de procedimento administrativo prévio.
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