Florestan Fernandes – Biografia, Obras, Resumo e Legado

Em sua trajetória, o sociólogo paulista analisou o caráter elitista da educação brasileira além de defender o direito à sua democratização.

Sociólogo ou educador? Essa foi uma pergunta que acompanhou – e ainda acompanha – a trajetória do paulista Florestan Fernandes, mesmo após sua morte. Ainda que se sentisse incomodado ao ser chamado de educador, o equívoco era mais que justificado, a partir do momento em que a maior parte de sua obra concentrou-se no estudo da educação.

Não apenas isso mas, na democratização do ensino, tomando como princípio básico o caráter elitista do acesso aos métodos educacionais. Em seus estudos sobre a escola brasileira e na sua atuação junto à Câmara dos Deputados, a preocupação com a instrução era característica de suas escrituras.

Quem foi Florestan Fernandes?

Florestan Fernandes nasceu em São Paulo no dia 22 de julho de 1920. Filho de imigrante portuguesa analfabeta, começou a trabalhar muito cedo, ainda, aos seis anos. Nessa fase da vida, saía pelas ruas como engraxate e, depois, arriscando em outros ofícios. Segundo ele, sua aprendizagem sociológica teve início aí, a partir do contato com as pessoas.

Florestan Fernandes foi eleito deputado federal de São Paulo
Florestan Fernandes foi eleito deputado federal de São Paulo

Interrompeu os estudos aos nove anos por problemas financeiros e recuperou o tempo perdido por meio de um supletivo. Por ter sido apadrinhado por uma família burguesa, Florestan Fernandes despertou seus interesses sociológicos ao compreender que o universo ia além dos limites do cortiço onde vivia.

Seu amadurecimento intelectual favoreceu o ingresso na universidade. Aos 18 anos, foi aprovado em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (USP), onde iniciou sua militância na esquerda. Seu mestrado na Escola Livre de Sociologia e Política foi defendido com a dissertação “A organização social dos Tupinambá”.

Em 1951, defendeu sua tese de doutorado na USP com o título “A função social da guerra na sociedade tupinambá”, explorando o método funcionalista. A partir daí, inseriu o país na civilização moderna por meio do desenvolvimento da ciência. O Golpe de 64 estimulou Florestan a escrever uma carta denunciando os maus tratos aos amigos presos.

Ele mesmo acabou detido e cassado pelo regime militar em 1969. Como não podia lecionar no Brasil, deu aulas em universidades canadenses e estadunidenses, retornando ao país após a redemocratização. Filiado ao Partido dos Trabalhadores, foi eleito deputado federal por dois mandatos seguidos – 1986 e 1990.

É importante frisar seu posicionamento militante em meio ao intenso período ditatorial, compondo uma geração pioneira de sociólogos formados pela USP. Florestan faleceu em 10 de agosto de 1995 acometido por um câncer, deixando o legado literário composto por quase 80 livros. Neles, circulou pelas áreas da antropologia, sociologia e educação.

As lutas de Florestan Fernandes

A militância maior de Florestan Fernandes se concentrava no socialismo e na crença de que ciência e educação, juntas, possuíam grande capacidade transformadora, traduzindo-se em instrumentos de desenvolvimento social para as camadas marginalizadas. Na sua concepção, a educação não permitiria as condições de miséria vivenciadas pelo país.

Sua análise das ciências humanas partia do pressuposto de que uma classe burguesa controlava os mecanismos sociais, não só no Brasil mas, nos países ocidentais. Devido ao histórico de exploração herdado pelo colonialismo europeu, tal classe era avessa às transformações sociais.

Nesse sentido, chegou a comparar a Revolução Francesa com o que teria acontecido no Brasil. Por aqui, segundo Florestan, a revolução deu-se de forma incompleta, a partir do momento em que, ao contrário dos revolucionários na França, não foi exigida uma educação de qualidade a toda população.

Do seu ponto de vista, o interesse das elites brasileiras era o controle da educação para manter a população alienada e, assim, afastada das decisões políticas. Ainda, por meio do sucateamento das escolas, fazia com que a democratização do ensino e pesquisa fosse restrito e sufocado.

Em suas obras, Florestan Fernandes discutiu, ainda, o entendimento sobre a situação do negro na educação brasileira. Partindo da teoria marxista, analisou a inserção do negro desde quando passou da triste condição de propriedade para um ser dotado de liberdade. Porém, não foi integrado na sociedade capitalista por ser considerado como desfavorecido.

Para Florestan, o grau de inserção do negro na sociedade brasileira poderia servir como parâmetro de medida para a democracia no país. Segundo ele, o “negro vai ser sempre […] o nosso melhor ponto de referência para determinar que o Brasil não é uma sociedade democrática”, pois, esta deveria estabelecer a igualdade entre todas as raças.

Educação e Democracia

Outra crítica que Florestan tecia a respeito do Brasil era a falta de cultura cívica, ou seja, do interesse pelo bem comum. O motivo seria evitar que, dotadas de conhecimento, as massas populares participassem da política de forma mais ativa e, assim, cobrassem explicações por parte das classes dominantes.

Nesse sentido, defendia a democracia como direito de estudar e liberdade para educar. Por isso, em seus mandatos na Câmara do DF, se envolveu em debates e discussões, incluindo, a elaboração da Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Texto que só seria aprovado um ano depois de sua morte, em 1996.

No entanto, vale observar que muitas das medidas propostas pelo sociólogo eram distintas das que, de fato, foram incluídas na lei. Entre elas, o princípio de escola única (ensinos infantil, fundamental e médio conjugados com educação profissional), eleição de diretores pela comunidade escolar (pais, professores e alunos) e piso salarial para os educadores.

Para entender outro tópico incluído por Florestan em suas discussões acerca da democratização do ensino, precisamos voltar ao breve intervalo compreendido entre 1945 e 1964. O sociólogo apontou que, nesse período, a educação cumpriu papel na busca pelo equilíbrio e paz social mas, por si só, não devido a investimentos governamentais.

Sendo assim, as escolas deveriam formar um “sistema comunitário de instituições sociais”, além de modificar a própria prática ministrada em sala de aula. Na visão de Florestan, esta se concentrava no professor como mero transmissor do saber, aluno como receptor passivo do conhecimento e na discriminação do ensino.

Campanha pela Escola Pública

Voltando a mencionar o conceito de “revolução incompleta”, uma das maiores lutas de Florestan Fernandes pautava a ampliação e manutenção do ensino público no país. Nas décadas de 40 a 60, ele foi o mais ativo dos defensores da Campanha em Defesa da Escola Pública, empreendida nas discussões pela implantação da LDB.

A campanha foi desencadeada na I Convenção Estadual em defesa da escola pública, em São Paulo, no dia 05 de maio de 1960. Em suas várias manifestações, Florestan mencionava o direito constitucional assegurado pela Carta de 1946 cujo texto trazia a construção de um plano nacional de educação.

O debate inicial concentrava-se nas temáticas de centralização e descentralização do ensino. Por fim, o deputado Carlos Lacerda apresentou substitutivo que, em suma, atendia aos interesses das instituições privadas e religiosas de ensino. O quadro inspirou diversas obras de Florestan nas quais combatia os objetivos da escola privada.

Defendendo a democratização, tratava o projeto de lei da LDB como “inimigo número um do ensino oficial” e a iniciativa de Lacerda uma conspiração contra o ensino público nascida do conluio entre escolas privadas e clero. O substitutivo foi aprovado mas, são os ideais do sociólogo paulista os difundidos, até hoje, entre os dirigentes de escolas públicas.

Principais obras

  • Organização social dos Tupinambá (1949)
  • A função social da guerra na sociedade Tupinambá (1952)
  • A etnologia e a sociologia no Brasil (1958)
  • Fundamentos empíricos da explicação sociológica (1959)
  • Mudanças sociais no Brasil (1960)
  • Folclore e mudança social na cidade de São Paulo (1961)
  • A integração do negro na sociedade de classes (1964)
  • Sociedade de classes e subdesenvolvimento (1968)
  • Capitalismo dependente e Classes Sociais na América Latina (1973)
  • A investigação etnológica no Brasil e outros ensaios (1975)
  • A revolução burguesa no Brasil: Ensaio de Interpretação Sociológica (1975)
  • Da Guerrilha ao Socialismo: A Revolução Cubana (1979)
  • O que é Revolução (1981)
  • Poder e Contrapoder na América Latina (1981)

Legado

O legado de Florestan Fernandes está, majoritariamente, ligado às perspectivas educacionais mas, não se restringem a elas. Seu nome está relacionado à pesquisa sociológica no Brasil e América Latina por meio das quais procurou transformar o pensamento social no país.

Com isso, inventou um estilo novo de investigação sociológica marcado pelo padrão de atuação intelectual e rigor crítico-analítico. Em homenagem à sua contribuição, teve a biblioteca da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP batizada com seu nome – Biblioteca Florestan Fernandes.

No Ceará, foi criado o Instituto Florestan Fernandes, ONG que se dedica à promoção da cidadania e capacitação de jovens da zona rural, bem como mulheres das cidades a desenvolver potencial político e econômico. Em Diadema, foi fundada a Fundação Florestan Fernandes, centro de cursos profissionalizantes.

Em 2005, foi inaugurada a Escola Nacional Florestan Fernandes, em Guararema, região metropolitana de São Paulo. Fundada pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), trata-se de centro de educação e formação no qual são desenvolvidos cursos formais e informais. Entre eles, alfabetização, pedagogia da terra e saúde comunitária.

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