Lei Maria da Penha, poderosa arma no combate à violência contra a mulher

Conheça a história da mulher por trás da criação da lei, os casos em que a legislação é aplicada e o que a vítima pode fazer para pedir a proteção legal.

Não, manchetes como estas não param. Sim, elas são, cada vez, mais tristes. Em pleno século XXI, quando a sociedade deveria, ao menos, apresentar algum nível de evolução, os índices de violência contra a mulher crescem de forma assustadora.

Como se não bastasse a indignação perante esse tipo de crime, nos causa repulsa o fato de saber que a prática não se extingue mesmo diante da punibilidade prevista no Código Penal Brasileiro.

Sancionada em agosto de 2006, a Lei 11.340, mais conhecida como Lei Maria da Penha, prevê penas em crimes praticados contra qualquer pessoa que se identifique do sexo feminino em situação de vulnerabilidade.

A lei ganhou esse nome em homenagem à farmacêutica brasileira Maria da Penha, vítima das agressões contínuas de seu agressor. A cearense lutou para que a violência que a deixou paraplégica não ficasse impune.

A história de Maria da Penha

Maria da Penha Maia Fernandes é mulher, mãe e profissional formada em Farmácia. Natural do Ceará, ela sofreu agressões físicas e psicológicas de seu marido, Marco Antônio Heredia Viveros, durante longos 23 anos.

Maria da Penha Maia Fernandes
Maria da Penha Maia Fernandes

O companheiro tentou matá-la por duas vezes, somente em 1983. Na primeira tentativa, atingiu-a com um tiro de espingarda que a deixou paraplégica. Na segunda, escolheu o afogamento e eletrocussão.

Cansada, Maria tomou coragem para denunciar o marido e conseguiu sair de casa graças a uma ordem judicial. Começava, aí, a batalha para condenar seu agressor. O caso foi julgado duas vezes mas, seguiu em aberto com alegação de irregularidades por parte da defesa.

Diante da inércia do Judiciário e com a ajuda do Centro pela Justiça pelo Direito Internacional (CEJIL) e do Comitê Latino-Americano de Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM), Maria formalizou denúncia junto à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA.

Dessa vez, o indiciado foi o próprio país, que não dispunha de mecanismos eficientes que proibissem a violência contra a mulher. As acusações incluíam omissão, negligência e tolerância (ao acusado). A Comissão recomendou que o processo penal de Marco Antônio fosse finalizado.

Ainda, que fossem feitas investigações sobre atrasos e irregularidades no processo, bem como a reparação material e simbólica da vítima pela falha do Estado. Mas, o mais importante, pediu por políticas públicas voltadas à prevenção, punição e erradicação da violência contra a mulher.

O caso foi, por fim, solucionado em 2002 e o Brasil precisou se comprometer a reformular suas leis em relação à violência doméstica. Em meio a todo esse tempo, Maria da Penha lançou o livro “Sobrevivi…posso contar”, no qual relata a violência sofrida por ela e as três filhas.

O que diz a Lei Maria da Penha?

A Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) foi decretada pelo, então, presidente Luís Inácio Lula da Silva em agosto de 2006, entrando em vigor no dia 22 de setembro do mesmo ano. Está entre as três melhores legislações no enfrentamento à violência contra a mulher do mundo.

Em sua ementa, a Lei reza que:

“Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências”.

Seu texto inclui, como já mencionado, todas as pessoas que se identificam como do sexo feminino, ou seja, heterossexuais, homossexuais e transexuais. A lei contempla vítimas em situação de vulnerabilidade do agressor, seja ele companheiro, pai, irmão ou qualquer um de seu convívio.

É importante frisar que os casos de agressão física não são os únicos abrangidos pela lei mas, também, violência psicológica, afastamento de entes queridos, destruição de documentos e objetos, ofensas, calúnia e difamação.

Entre as cláusulas e aplicabilidades da Lei Maria da Penha, estão:

      • assistência econômica à vítima dependente do agressor
      • ordem de afastamento do agressor à vítima e seus parentes
      • impossibilidade de substituir a pena por multas ou doação de cesta básica (pena alternativa)
      • violência doméstica considerada agravante para aumento de pena
      • prisão do suspeito de agressão

Estudo publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), em 2015, aponta que a Lei Maria da Penha conseguiu reduzir em 10% a projeção de aumento da taxa de feminicídio no país.

Segundo a farmacêutica que dá nome à lei, a efetividade da LMP se dá por três fatores – aumento do custo da pena para o agressor; do empoderamento e condições de segurança para denúncia e aperfeiçoamento dos mecanismos jurisdicionais.

De fato, a promulgação da lei possibilitou o aumento de denúncias de violência doméstica, além da criação de locais e serviços, até então, inexistentes. Como exemplo, podemos citar casas de abrigo e delegacias especializadas.

Com a Lei, a violência doméstica foi tipificada como violação aos direitos humanos. Os crimes relacionados a ela são, agora, julgados em Varas Criminais, até que sejam instituídos os juizados de violência doméstica e familiar contra a mulher nos estados.

Tipos de violência contra a mulher

A Lei Maria da Penha classifica os tipos de violência contra a mulher nas seguintes categorias:

  • patrimonial: controle forçado, destruição ou subtração de bens materiais, documentos e instrumentos de trabalho
  • sexual: atos que forcem ou constranjam a mulher a presenciar ou participar de relações sexuais indesejadas, mediante o uso de força física ou ameaça
  • física: violação dos preceitos de saúde e integridade da mulher
  • moral: calúnia, difamação e/ou injúria
  • psicológica: comportamento que cause danos emocionais que levem à redução da auto-estima, humilhações e constrangimentos

A violência contra a mulher, independente de seu tipo, é considerada como problema de saúde pela OMS. O Brasil foi o 18º país a adotar legislação que pune agressores de mulheres.

Lei do Feminicídio

Promulgada em 2015, a Lei n° 13.104 (Lei do Feminicídio) trata da expressão máxima da violência contra a mulher, o seu assassinato. O feminicídio pode ser definido como o homicídio simples ou qualificado cometido contra a mulher por razões da condição de sexo feminino.

A condição é considerada ao envolver situações de violência doméstica, discriminação e menosprezo ao gênero feminino. A sanção do texto dispõe que o crime é considerado como qualificado e hediondo. A pena prevista é de reclusão de 12 a 30 anos.

A lei é derivada do Projeto de Lei 8.305/2014 que prevê, ainda, o aumento da pena em ⅓ caso o crime ocorra nos seguintes casos:

  • na presença de descendente ou ascendente da vítima
  • contra menor de 14 anos, maior de 60 ou pessoa com deficiência
  • durante a gestação ou nos três meses posteriores ao parto

Índices da violência contra a mulher

As críticas recaem, não sobre as duas leis mas, sobre os dispositivos que permitem sua aplicabilidade considerados, ainda, pouco efetivos. Em 2017, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), divulgou dados atualizados sobre a violência contra a mulher. Confira os números levantados:

  • 1,2 milhão de processos de violência doméstica tramitando em 2016, sendo 13,5 mil casos de feminicídio
  • região Centro-Oeste desponta como a campeã – 19,3 processos a cada mil mulheres
  • altas taxas de congestionamento nos tribunais quanto a esse tipo de processo – em Alagoas, chegou a 94%
  • 13.498 casos de feminicídios e proferimento de 3.573 sentenças – maior número de novos casos em Minas Gerais, com 1.139
  • 195.038 medidas protetivas expedidas em todo o país
  • São Paulo como campeão em processos – 214.214, representando 18% dos casos

Apesar das conquistas obtidas mediante a promulgação da LMP e Lei do Feminicídio, ainda há muito o que caminhar no sentido de erradicar a violência contra a mulher.

Nesse sentido, devem colaborar o Poder Judiciário (na aplicabilidade dos dispositivos legais) e a própria cultura que, ainda, considera o crime como a mulher como algo corriqueiro e as leis contra eles, abusivas.

Denuncie

Mulheres em situação de violência podem denunciar seus agressores pelo número 180 disponibilizado pelo Governo Federal. Regionalmente, os estados criaram casas de apoio à vítimas de violência doméstica que não têm para onde ir, além de delegacias especializadas no atendimento às agredidas.

Os mesmos canais são disponibilizados para quem presenciar atos de violência. Como bem diz campanha veiculada em âmbito nacional: violência contra a mulher, também, é problema seu!

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