Dez poemas de Mario Quintana
Mario Quintana foi poeta, tradutor e jornalista brasileiro. Nasceu no interior do Rio Grande do Sul, na cidade de Alegrete, no dia 30 de julho de 1906. Faleceu em Porto Alegre aos 87 anos, no dia 05 de maio de 1994.
POEMINHO DO CONTRA
Todos estes que aí estão
Atravancando o meu caminho,
Eles passarão.
Eu passarinho!
Os versos que você leu agora são de autoria de um dos poetas mais populares do Brasil: Mario Quintana. O gaúcho, que nasceu na pequena Alegrete, interior do Rio Grande do Sul, em 1906, deixou seu nome marcado na história da literatura brasileira do século XX. Os poemas de Quintana são permeados por um intenso lirismo, característica que deu ao poeta a alcunha de “o poeta das coisas simples”. As coisas simples, encontradas nos versos do gaúcho, contudo, não são menos importantes, mas sim deixam revelar a grandiosidade do olhar de quem percebeu a importância das singelezas da vida.
Mario viveu uma vida simples: não casou ou teve filhos. Viveu solitário grande parte da vida na cidade que escolheu: Porto Alegre. Sequer tinha casa, o poeta viveu seus dias em quartos de hotel, e chegou a ser despejado de um deles quando se viu desempregado. Tentou por três vezes uma vaga à Academia Brasileira de Letras, mas em nenhuma das ocasiões foi eleito. Quando foi convidado a candidatar-se pela quarta vez, sob a promessa de que seu nome seria escolhido por unanimidade, o poeta recusou. Embora não tenha se tornado um dos imortais da ABL, Quintana recebeu aquele que é considerado o maior prêmio para um escritor: o reconhecimento e o carinho do povo brasileiro, o que mantém viva sua memória.
Depois de mais de vinte anos de sua morte, o poeta figura entre os escritores mais populares entre os leitores, ao lado de nomes como Caio Fernando Abreu e Clarice Lispector. Seus versos são compartilhados à exaustão nas redes sociais, o que permite que as novas gerações tenham acesso à sua poesia profundamente lírica e sublime. Para que você conheça mais a obra do “poeta das coisas simples”, que é também um importante nome de nossas letras, o site Escola Educação traz para você dez poemas de Mario Quintana que certamente deixarão você com vontade de desvendar a obra do escritor. Boa leitura.
Canção do dia de sempre
Tão bom viver dia a dia…
A vida assim, jamais cansa…
Viver tão só de momentos
Como estas nuvens no céu…
E só ganhar, toda a vida,
Inexperiência… esperança…
E a rosa louca dos ventos
Presa à copa do chapéu.
Nunca dês um nome a um rio:
Sempre é outro rio a passar.
Nada jamais continua,
Tudo vai recomeçar!
E sem nenhuma lembrança
Das outras vezes perdidas,
Atiro a rosa do sonho
Nas tuas mãos distraídas…
Presença
É preciso que a saudade desenhe tuas linhas perfeitas,
teu perfil exato e que, apenas, levemente, o vento
das horas ponha um frêmito em teus cabelos…
É preciso que a tua ausência trescale
sutilmente, no ar, a trevo machucado,
as folhas de alecrim desde há muito guardadas
não se sabe por quem nalgum móvel antigo…
Mas é preciso, também, que seja como abrir uma janela
e respirar-te, azul e luminosa, no ar.
É preciso a saudade para eu sentir
como sinto – em mim – a presença misteriosa da vida…
Mas quando surges és tão outra e múltipla e imprevista
que nunca te pareces com o teu retrato…
E eu tenho de fechar meus olhos para ver-te.
Esperança
Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano
Vive uma louca chamada Esperança
E ela pensa que quando todas as sirenas
Todas as buzinas
Todos os reco-recos tocarem
Atira-se
E
— ó delicioso vôo!
Ela será encontrada miraculosamente incólume na calçada,
Outra vez criança…
E em torno dela indagará o povo:
— Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes?
E ela lhes dirá
(É preciso dizer-lhes tudo de novo!)
Ela lhes dirá bem devagarinho, para que não esqueçam:
— O meu nome é ES-PE-RAN-ÇA…
Oração
Dai-me a alegria
Do poema de cada dia.
E que ao longo do caminho
Às almas eu distribua
Minha porção de poesia
Sem que ela diminua…
Poesia tanta e tão minha
Que por uma eucaristia
Possa eu fazê-la sua
“Eis minha carne e meu sangue!”
A minha carne e meu sangue
Em toda a ardente impureza
Deste humano coração…
Mas, ó Coração Divino,
Deixai-me dar de meu vinho,
Deixai-me dar de meu pão!
Que mal faz uma canção?
Basta que tenha beleza…
Eu escrevi um poema triste
Eu escrevi um poema triste
E belo, apenas da sua tristeza.
Não vem de ti essa tristeza
Mas das mudanças do Tempo,
Que ora nos traz esperanças
Ora nos dá incerteza…
Nem importa, ao velho Tempo,
Que sejas fiel ou infiel…
Eu fico, junto à correnteza,
Olhando as horas tão breves…
E das cartas que me escreves
Faço barcos de papel!
Bilhete
Se tu me amas, ama-me baixinho
Não o grites de cima dos telhados
Deixa em paz os passarinhos
Deixa em paz a mim!
Se me queres,
enfim,
tem de ser bem devagarinho, Amada,
que a vida é breve, e o amor mais breve ainda…
Os Poemas
Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam vôo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto
alimentam-se um instante em cada par de mãos
e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhado espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti…
A Rua dos Cataventos
Da vez primeira em que me assassinaram,
Perdi um jeito de sorrir que eu tinha.
Depois, a cada vez que me mataram,
Foram levando qualquer coisa minha.
Hoje, dos meu cadáveres eu sou
O mais desnudo, o que não tem mais nada.
Arde um toco de Vela amarelada,
Como único bem que me ficou.
Vinde! Corvos, chacais, ladrões de estrada!
Pois dessa mão avaramente adunca
Não haverão de arracar a luz sagrada!
Aves da noite! Asas do horror! Voejai!
Que a luz trêmula e triste como um ai,
A luz de um morto não se apaga nunca!
Poeminha Sentimental
O meu amor, o meu amor, Maria
É como um fio telegráfico da estrada
Aonde vêm pousar as andorinhas…
De vez em quando chega uma
E canta
(Não sei se as andorinhas cantam, mas vá lá!)
Canta e vai-se embora
Outra, nem isso,
Mal chega, vai-se embora.
A última que passou
Limitou-se a fazer cocô
No meu pobre fio de vida!
No entanto, Maria, o meu amor é sempre o mesmo:
As andorinhas é que mudam.
Principais obras de Mario Quintana:
Poesias
- A Rua dos Cataventos, 1940
- Canções, 1946
- Sapato florido, 1948
- O aprendiz de feiticeiro, 1950
- Espelho mágico, 1951
- Poesias, 1962
- Quintanares, 1976
- A vaca e o hipogrifo, 1977
- Esconderijos do tempo, 1980
- Baú de espantos, 1986
- Preparativos de viagem, 1987
- Da preguiça como método de trabalho, 1987
- Porta giratória, 1988
- A cor do invisível, 1989
- Velório sem defunto, 1990
- Água, 2001
Literatura Infantil
- O batalhão das letras, 1948
- Pé de pilão, 1968
- Lili inventa o mundo, 1983
- Nariz de vidro, 1984
- O sapo amarelo, 1984
- Sapato furado, 1994
Antologias
- Antologia poética, 1966
- Prosa & verso, 1978
- Na volta da esquina, 1979
- Nova antologia poética, 1981
- Literatura comentada, 1982
- Primavera cruza o rio, 1985
- 80 anos de poesia, 1986
- Ora bolas, 1994
Luana Alves
Graduada em Letras
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