A Segunda Geração do Romantismo brasileiro – O Ultrarromantismo
Álvares de Azevedo, Fagundes Varela e Casimiro de Abreu estão entre os principais representantes da segunda geração do Romantismo brasileiro.
Se eu morresse amanhã
Se eu morresse amanhã, viria ao menos
Fechar meus olhos minha triste irmã;
Minha mãe de saudades morreria
Se eu morresse amanhã!
Quanta glória pressinto em meu futuro!
Que aurora de porvir e que manhã!
Eu perdera chorando essas coroas
Se eu morresse amanhã!
Que sol! Que céu azul! Que doce n’alva
Acorda a natureza mais louçã!
Não me batera tanto amor no peito
Se eu morresse amanhã!
Mas essa dor da vida que devora
A ânsia de glória, o dolorido afã…
A dor no peito emudecera ao menos
Se eu morresse amanhã!
O poema que você leu agora é de autoria do poeta Álvares de Azevedo, considerado o principal nome da Segunda Geração do Romantismo brasileiro, também conhecida como Ultrarromantismo. Em Se eu morresse amanhã, um de seus poemas mais conhecidos, é possível perceber os principais temas que permeiam a breve trajetória literária do poeta, entre eles o sofrimento, a dor existencial e a angústia, temas comuns a todos os escritores desse movimento que marcou a segunda metade do século XIX.
Durante o Romantismo, nas décadas de 50 e 60 do século XIX, jovens poetas universitários de São Paulo e do Rio de Janeiro reuniram-se em um grupo que deu origem à poesia romântica brasileira conhecida como Ultrarromantismo. Essa geração denominava-se como uma “geração perdida”, haja vista que não comungavam dos valores defendidos pelos poetas da primeira geração do Romantismo, isto é, o Nacionalismo, cujo projeto literário baseava-se na necessidade de fundar uma literatura genuinamente brasileira, comprometida com a identidade cultural de nosso povo. Diante desse sentimento de inadequação à realidade e também de um forte pessimismo, os ultrarromânticos levavam uma vida desregrada, dividida entre os estudos acadêmicos, o ócio, os casos amorosos e a leitura de obras literárias como as de Musset e Byron, cujo estilo de vida imitavam.
A publicação do livro Poesias, de Álvares de Azevedo, em 1853, é considerado o marco inicial da poesia de inspiração gótica. Outros escritores também fizeram do ultrarromantismo seu projeto literário, entre eles Fagundes Varela, Junqueira Freire e Casimiro de Abreu, fortemente inspirados pelo inglês Lord Byron, pelo italiano Giacomo Leopardi e pelos franceses Alphonse de Lamartine e Alfred de Musset. No plano literário, o Ultrarromantismo caracterizava-se pelo espírito do mal-do-século, uma onda de pessimismo doentio que se traduzia no apego a certos valores decadentes, como a bebida e o vício, na atração pela noite e pela morte. Na obra de Álvares de Azevedo ganha destaque também os temas macabros e satânicos, encontrados em um de seus principais livros, Macário.
Macário é um obra de difícil conceitualização, uma vez que oscila entre o teatro, o diário íntimo e a narrativa, que se estabelece por meio do diálogo entre Satã e Penseroso, tendo por centro os vícios e desatinos da cidade grande. Macário narra a saga de um jovem que viaja à cidade a estudos e, em uma de suas paradas pelo caminho, faz amizade com um estranho que se trata de ninguém menos que Satã personificado. Leia a transcrição de um trecho do capítulo final da obra:
Satan: Onde vais?
Macário: Sempre tu, maldito!
Satan: Onde vais? Sabes de Penseroso?
Macário: Vou ter com ele.
Satan: Vai, doido, vai! que chegarás tarde! Penseroso morreu.
Macário: Mataram-no!
Satan: Matou-se.
Macário: Bem.
Satan: Vem comigo.
Macário: Vai-te.
Satan: És uma criança. Ainda não saboreaste a vida e já gravitas para a morte.
Macário: Vai-te, maldito!
Satan ( afastando -se): Abrir a alma ao desespero é dá-la a Satan. Tu és meu. Marquei-te na fronte com meu dedo. Não te perco de vista. Assim te guardarei melhor. Ouvirás mais facilmente minha voz partindo de tua carne que entrando pelos teus ouvidos.
(Uma rua) (Macário e Satan de braços dados.)
Satan: Estás ébrio? Cambaleias.
Macário: Onde me levas?
Satan: A uma orgia. Vais ler uma página da vida cheia de sangue e de vinho-que importa?
Macário: É aqui, não? Ouço vociferar a saturnal lá dentro.
Satan: Paremos aqui. Espia nessa janela.
Macário: Eu vejo-os. É uma sala fumacenta. À roda da mesa estão sentados cinco homens ébrios. Os mais revolvem-se no chão. Dormem ali mulheres desgrenhadas, umas lívidas, outras vermelhas Que noite!
Satan: Que vida! não é assim? Pois bem! escuta, Macário. Há homens para quem essa vida é mais suave que a outra. O vinho é como o ópio, é o Letes do esquecimento… A embriaguez é como a morte. . .
Macário: Cala-te. Ouçamos.
(Fragmento de Macário, de Álvares de Azevedo.)
Entre as principais características da Segunda Geração do Romantismo estão:
- Profundo subjetivismo;
- Sentimentalismo exacerbado;
- Pessimismo e melancolia;
- Egocentrismo e individualismo;
- Fuga da realidade;
- Escapismo;
- Saudosismo.
Além de Álvares de Azevedo, estão entre os principais representantes da Segunda Geração do Romantismo:
Casimiro José Marques de Abreu (1837-1860): Casimiro de Abreu foi poeta brasileiro, autor do célebre poema “Meus Oito Anos” (1857). dele podemos destacar também as seguintes obras: As Primaveras (1859), Saudades (1856) e Suspiros (1856).
Luís Nicolau Fagundes Varella (1841-1875)
Poeta brasileiro e patrono na Academia Brasileira de Letras, Fagundes Varela foi um importante escritor do Ultrarromantismo no Brasil. Considerado byroniano, também apresentava em sua obra características da terceira geração romântica. Entre suas principais obras estão Vozes da América (1864), Noturnas (1860).
Luís José Junqueira Freire (1832-1855)
Junqueira Freire foi um monge, sacerdote e poeta brasileiro. Sua obra muitas vezes considerada conservadora pela crítica literária, abordou temas como: horror, desejo reprimido, sentimento de pecado, revolta, remorso e obsessão de morte. Dele podemos citar o livro Inspirações do Claustro (1855).
Nunca antes a poesia e a prosa brasileira havia experimentado temas que alcançassem um grau tão elevado de subjetivismo, percorrendo temas como o amor e a morte, a dúvida e a ironia, o entusiasmo e o tédio. Há uma ruptura drástica com os padrões literários vigentes e também com os valores da sociedade, já que a literatura da segunda fase romântica afronta o materialismo e o racionalismo burgueses, desbravando zonas antilógicas do subconsciente, apresentado temas pouco ortodoxos que foram capazes de causar repulsa e estranhamento na crítica literária e no público.
Luana Alves
Graduada em Letras
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